Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Tuesday, December 30, 2008

Carlos Castro: se estiveres a ler isto, por favor não me faças mal


Serve o presente post para lançar o alarme junto da sociedade portuguesa: Carlos Castro ainda existe. Se procurarem no Google, não só descobrem que o guru do transformismo nacional tem uma «empresa» de produções para espectáculos de moda e agenciamento de «apresentadores de TV»*, como o terceiro resultado da pesquisa é este fantástico post publicado por uma pessoa extremamente parecida comigo que ainda por cima tem o mesmo nome que eu.
*«apresentador de TV» - o que é? Um empregado da Worten que se aproxima de nós e diz «bem-vindo, gostava de lhe apresentar esta TV de 44 polegadas...»?

É motivo para alarme, sim, porque a segunda linha da pesquisa refere-se a uma entrevista «pessoalíssima» que Carlos Castro deu quando ainda só tinha 64 anos, estava na flor da idade, e abordou tudo o que foi assunto relacionado com pan... com homossexualidade e outras práticas saudáveis.

E a primeira linha da pesquisa leva-nos, precisamente, ao website oficial da musa da sociedade portuguesa, onde se encontram aguarelas lindíssimas das viagens fantásticas a lugares do mundo absolutamente exóticos, locais de sonho para muitos, como Fort Lauderdale, a Disneyland ou o Carnaval da Madeira. Caramba... nem nos meus wildest dreams...

O nome de Carlos Castro tem feito mais por este humilde blog «Todo-Carnaval» do que pela vida do jet set português. Porque o cornista... perdão, cronista social que nunca chama os bois pelos nomes tem trazido aqui visitantes atrás de visitantes. Sinto lisonja, a sério que sinto. Desde o Cláudio Ramos que não havia uma figura tão repugnante a gerar acessos tão alegres e descomprometidos a um blog não-identificado dedicado à maledicência barata.

Por esse motivo, e porque este blog é suficientemente mau, aqui fica um singelo pingo de decência na forma da devida homenagem a uma figura de baixa estatura e alta moral: Carlos Castro, meu grande marialva, por ti, aqui me identifico.

Cordialmente,
Bob Dylan
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Tuesday, December 23, 2008

Onde está o Ossama Bin Wally?


O que é que esperavam de um homem que tem 53 irmãos, 5 mulheres e 12 filhos? Só podia ser um revoltado. Da revolta ao terrorismo vai um passinho bastante curto, como provam os gregos que andam às cabeçadas há vários dias consecutivos porque, aparentemente, um polícia resolveu dar uns açoites num adepto de futebol que se portou mal. Onde é que já se viu??? Isto admite-se??? Os adeptos de futebol - sobretudo os gregos - são gente extremamente bem comportada e não merecem ser destratados dessa maneira. Por isso, acho bem que se revoltem.

O homem mais procurado do mundo, que se saiba, não é adepto de futebol (apesar de haver um jornal inglês altamente credível que jura a pés juntos que ele já esteve exilado em Londres e era adepto do Arsenal e ia ao estádio e tudo). Aquilo que é verdade é que o melhor uso que encontrou para o estádio nacional de Cabul, no Afeganistão, foi servir de palco para execuções em massa de mulheres de burkha que se portaram mal - isto durante os tempos em que ele era rei e senhor do território afegão, naquela altura em que andou por lá a recrutar os talibãs para serem as suas marionetas.

Osama bin Laden chama-se, na verdade, أسامة بن محمد بن عوض بن لادن . Quer dizer, na verdade, na verdade, ninguém sabe ao certo como é que ele se chama. Oficialmente, a tradução do seu nome para dialecto de gente é «Usāmah bin Muhammad bin `Awad bin Lādin», mas isto foi na altura em que ele próprio andava agradecido aos americanos pela ajuda que deram durante a luta dos mujahedin contra a União Soviética. A partir daí, como os EUA já lhe serviam de pouco e colocar um nome daqueles numa pauta de liceu devia ser o cabo dos trabalhos, passou a ser chamado Osama bin Laden. Mas só por alguns. Vamos ver se nos entendemos...

Como não há nenhuma tradução ocidental que seja aceite para esta arabice, o nome dele é traduzido de várias maneiras. Os jornais de língua inglesa usam «Osama bin Laden» ou então «Usama bin Ladin». Depende do editor e da quantidade de bourbon que tiver bebido na noite anterior. Para a CIA é «Usama bin Laden», que é uma mistura dos dois anteriores. Os franceses, com a mania que são diferentes e já têm problemas que chegue com os muçulmanos do norte de África, escrevem «Ussamah bin Ladin». Os alemães, que não estão para se dar ao trabalho e já são especialistas em aglutinar palavras, escrevem apenas «Binladin» para poupar nos caracteres. O Diário de Notícias escreve «Usama ben Laden». Viva o direito à diferença.

As grandes questões desta quadra natalícia continuam, portanto, a ser as mesmas: quem é que namora Mickael Carreira, afinal?; porque é que os professores não querem ser avaliados, pela inépcia própria em avaliar seres humanos com metade da idade deles?; será 2009, finalmente, o ano em que Herman José se vai convencer que não há mais lugar para ele na televisão?; e onde está, afinal, o Wally bin Laden?

Já foi dado como morto uma mão cheia de vezes, mas aparentemente os americanos acham que ele está escondido algures na fronteira do Parquistão com a Afeganistão.

Para mim, está no Algarve. No mesmo buraco em que a Maddie se escondeu.

Thursday, October 30, 2008

Espanha devia ser um país no Pacífico

O meu patrão é espanhol.

Não é coisa para me fazer levantar todos os dias de manhã com vontade de vir trabalhar, mas também não é caso para ficar mais um quarto-de-hora na cama todas as manhãs a imaginar em qual das partes da minha caótica biologia poderia contrair um estafilococos fatal que me impedisse de vir trabalhar. Venho trabalhar porque gosto do que faço e, felizmente, andam distraídos o suficiente para me pagarem por isso. Mal, é certo. Mas isso é outro assunto.

Dito isto, devo dizer que o meu patrão espanhol é muito bom rapaz (Olá, chefe! Tudo bem? Gosto de si, joder! – não vá ele ter tanta sorte de dar com isto na internet). É tão bom rapaz que até já me ofereci para fazer uma pesquisa aprofundada sobre a sua genealogia para confirmar que ele, afinal, é holandês e nasceu na Nova Zelândia. Porque o meu patrão é simpático, educado, um gestor objectivo e sem medo de cortar onde as despesas são mais gordas (Olá outra vez, chefe. Se por acaso continua a ler isto é porque arranjou uns serviços de tradução – e se é esse o caso, olhe que eu sou dos mais poupadinhos. Não faço despesa quase, quase nenhuma. Até sou eu que trago o meu papel higiénico de casa). É um tipo elegante, apresentável, de modo que tenho certas dúvidas que seja realmente espanhol.

Os espanhóis são as melhores pessoas do mundo para viver no atol de Moruroa. Para eles seria um prémio – bom tempo, uma ou duas tempestades típicas do Pacífico de vez em quando para animar os dias, a praia ali mesmo à porta, ausência de impostos, vastas oportunidades de especialização em paella de tubarão… enfim, só vantagens. E além disso poderiam servir um bem maior a toda a Humanidade e servir de cobaias para os testes nucleares que eu vou convencer o Sarkozy a retomar ali mesmo, naquele lugar. Como é que os fazíamos caber todos juntos naquele espaço? Não sei, não é problema meu. Mas se, de facto, convencermos a França a voltar aos testes nucleares em Moruroa, suspeito que nem sequer se torna um problema de todo.

Os espanhóis comem com as mãos, escrevem com os pés e falam quase tão alto quanto os italianos. No primeiro caso, não me parece mal – quem nunca comeu uma coxinha de frango à unha ou despachou uma sardinhita morta à estalada em cima de uma fatia de pão? – embora no caso dos espanhóis a utilização das patas para comer se estenda ao arroz negro, ao fillet-mingon com judias verdes e à crema catalana. No segundo caso, já me parece um pouco pior – Miguel é um espanhol que eu conheço, de Madrid. Curiosamente, também é bom rapaz, uma vez que tem raízes na Galiza (que, como se sabe, é «Portugal do Norte»). Escreve numa revista, sobre assuntos com muita piada, mas com textos que não têm mesmo piada nenhuma e, pior que isso, têm erros que nunca mais acabam. Como qualquer outro espanhol, não sabe escrever. E mesmo os que sabem, como o José Saramago, não são tão interessantes quanto isso. Mas o pior de tudo, mesmo, é falarem alto – já assistiram a um italiano a falar ao telemóvel? Do tipo, atende uma chamada em Génova e ouve-se em Nápoles? Os espanhóis são mais-ou-menos assim, com a particularidade de dispensarem o telemóvel. Falam com a mesma amplitude de decibéis de um italiano, mas para pessoas que estão a metro-e-meio deles. E ornamentam todas as frases com uns joder, pendejo e la-madre-que-me-parió.

Os espanhóis têm vários conflitos e um deles é com a água. Atenção que isto é sério – não é cá brincadeiras como o terrorismo no País Basco. O pior terrorismo que os espanhóis fazem é com os visitantes, com quem vem de fora, quem visita o país. Nem nesses dias tomam banho. Isto resulta em constantes atentados à minha pirâmide nasal, que – coitada – já sofreu atentados que chegue e já de si é um bocadinho uma ruína de pirâmide em vez de uma pirâmide como deve ser. Não tomam banho, mas perfumam-se. E em quantidades suficientes para encher o lago do Campo Grande. Mas como os perfumes dos espanhóis vêm de Marrocos, a catarse que resulta é tudo menos interessante – uma mistura entre naftalina de baú com almíscar de chamuça, com recortes de peúga-por-lavar, carrascão entornado há dois meses e um ligeiro travo a tabletes dietéticas. Apertar a mão a um espanhol é, normalmente, um acto de coragem – porque fico sempre com a mão direita engordurada o suficiente para fazer a revisão ao carro.

Os espanhóis são campeões da Europa de futebol. So what? Também os gregos – e isso não faz deles gente brilhante. Como é que um país onde as províncias lutam há anos para serem independentes e terem campeonatos de futebol independentes, onde existem equipas de futebol profissional que não admitem no seu plantel jogadores que não sejam exclusivamente originários daquela província, de repente se consegue unir para apoiar uma selecção multi-cultural, onde até joga um brasileiro? Não consegue. Foi tudo produto do Marketing, que, como se sabe, é um tipo americano que veio trabalhar para a Europa para ganhar dinheiro. A única vantagem que os espanhóis encontraram em ser campeões da Europa de futebol foi ter mais dois ou três dias de desculpa para não ir trabalhar – porque se embebedaram a celebrar e não se lembravam do caminho para casa.

O meu patrão é do tipo de gente que devia viver em Belém, com uma varanda gigante virada para o rio. Comporta-se bem à mesa, é um óptimo conversador, esforça-se para falar português, convive-se impecavelmente com ele, até porque liga muito pouco a futebol. Tenho a certeza que ele não é espanhol. Deve ser suíço, ou então austríaco, isto se eu não conseguir confirmar que ele nasceu mesmo em Auckland.

Já eu, por outro lado, de tão interesseiro que sou, desconfio que os meus pais se embebedaram algures em Badajoz há umas décadas a esta parte e andaram a divertir-se…

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Friday, October 24, 2008

Nos Estados Unidos as sanitas têm lavagem automática

Não, não é daquelas sanitas que rodam o tampo automaticamente a seguir ao servicinho. Nem daquelas que mandam evacuar a sala para despejar uma desinfecção completa com direito a lixívia. Falo das sanitas convencionais, dos hotéis, das casas-de-banho do aeroporto, dos restaurantes, das casas, de todo o lado. Acham que estou a brincar? Não estou. Vejam na foto (e sosseguem, porque não há nada de escatológico na imagem; é meramente para efeitos científicos; e até trouxe de duas sanitas diferentes para verem que eu não estou a gozar).


Reparem bem como cada sanita se apresenta ao ilustre desconhecido com uma camada de água bem definida até cá acima. Ao primeiro impulso dá vontade de chamar o canalizador para ele trazer o seu desentupidor de ventosa e tratar do assunto, mas um olhar clínico sobre o mobiliário de WC (eu sei, isto é coisa para repugnar, mas garanto que quando eu fiz isto a sanita estava limpa e imaculada) e um sensato accionamento da manivela de descarga revelam que… 1) a água desaparece e é substituída por outra água igualzinha, cheia até ao mesmo ponto; e 2) é suposto ser assim mesmo.

De repente eu podia ser extremamente desagradável e tecer aqui todo o tipo de considerações sobre entidades estranhas a boiar alegremente numa piscina de PVC como as meninas do Tahiti a tomar banho dos quadros do Gauguin. Mas não. Vou ser apenas desagradável e dizer que este sistema é muito simpático, porque além de receber matéria orgânica com o mesmo orgulho de qualquer outra sanita que habite na Europa, ainda proporciona toda uma nova sensação de conforto ao retribuir a oferenda com uns refrescantes salpicos que, por um lado, arrepiam o esfíncter e, por outro, dão o contributo – nobre e por muitos ignorado – de ajudar na tarefa de higiene e limpeza.

Penso que esta é a forma justa de introduzir o tema: «mas afinal os americanos servem para quê?». Ainda não tenho uma conclusão clara sobre o assunto, mas a ideia mais forte com que fico é que servem para mandar para o Afeganistão. Os americanos que foram enviados para capturar o Bin Laden são os únicos que fazem alguma coisa construtiva pelo mundo* – porque os outros, os que ficaram em casa a ver os debates entre o Obama e o McCain enquanto devoram um balde de Baskin’n’Robbins à colherada de sopa, pertencem à mesma corja dos americanos que ensinaram à Humanidade fenómenos como a obesidade, o racismo e o sobreendividamento. Aliás, foi por se distinguirem com notoriedade na capacidade de contrair créditos que são incapazes de pagar que os americanos arruinaram por completo o esqueleto teórico da sociedade capitalista. Mas o problema não é tanto dos americanos que contraíram os créditos; é mais dos americanos que trabalham nos bancos e que aceitaram emprestar-lhes dinheiro que sabiam que eles não tinham e que não iam ser capazes de devolver.

* e neste particular eu devo salientar que tenho o maior respeito pelos americanos que deram a sua vida para salvar a Europa das garras dos nazis durante a II Guerra Mundial; obrigado por tudo, curvo-me perante as vossas campas, mas podiam ter aproveitado para, nessa mesma altura, resolverem de vez todos os problemas da Europa: tinham feito algum planeamento familiar junto dos pais do Santana Lopes para evitar que ele nascesse dez anos depois e, uma vez que ficava em caminho, também podiam ter aproveitado para afundar a Espanha

E o que é que acontece actualmente? Os Estados Unidos estão à venda. As casas dos americanos são, normalmente, de um só piso, com um lindo relvado aparado à frente, uma carcaça velha de uma carrinha de nove lugares à porta da garagem e sem qualquer vedação. Comum a todas é o facto de terem duas placas espetadas no seu belo relvado: uma diz «I vote for Obama», a outra diz «esta casa está à venda». Nunca pensei ver os americanos na penúria, muito menos em pânico. Primeiro, porque tinha quase a certeza que não sabiam o significado da palavra «penúria» e, segundo, porque mesmo que soubessem o que quer dizer, não saberiam reconhecer os sinais de que estariam mesmo a passar por isso. Mas a verdade é que estão mesmo em pânico, porque um dos candidatos à presidência disse, num dos debates televisivos, «caro senador, caros concidadãos, o nosso país está na penúria». Em Nova Iorque, nessa noite, foi o caos: trânsito absolutamente louco, pessoas em passo apressado na rua, gente aos gritos, barulho de ambulâncias, magotes de gente enlatada nas estações de metro, tudo num ritmo alucinante como se quisessem fugir da cidade e entregar o país de volta aos índios. «Que se passa? Para onde vai esta gente toda? Está tudo a fugir da depressão financeira?», perguntei a um dos polícias-sinaleiros-que-afinal-não-são-polícias que estão nos cruzamentos de apito na boca a mandar avançar o trânsito. «Nada de especial», respondeu ele: «hoje há jogo dos Giants»

Não me dei por vencido. Eu sei que os americanos são burros como portas, mas não podem ser assim tão imbecis que não vêem a realidade desvendar-se diante dos seus próprios olhos. Fui ver tudo o que era canal de notícias na TV (e são vários, uns sete ou quarenta-e-três), li os jornais de uma ponta à outra, quis saber a reacção dos americanos ao terem sido confrontados com o choque de saberem que estão falidos por intermédio de um dos homens que daqui a uns dias vai ser o líder do país. Em Chicago ninguém deu por nada, porque ficaram todos retidos no trânsito por causa de um acidente na linha de comboio de superfície; em Washington ficou toda a gente presa num engarrafamento à saída da cidade por causa de uma operação policial desencadeada para prender o filho de um senador democrata que «hackeou» a conta de e-mail da republicana Sarah Palin; em Cleveland ninguém viu o debate, porque andava toda a gente na rua à procura dos donos de um stand de automóveis que burlaram o estado com centenas de facturas falsas; em Las Vegas os casinos estavam cheios à hora do debate e ninguém ligou patavina; em Los Angeles ninguém percebeu nada, porque os habitantes de Los Angeles só percebem espanhol… acho que a única pessoa que assistiu ao debate pela televisão fui eu.

Finalmente encontrei-me com um administrador de uma multi-nacional que parecia ter um neurónio-e-meio a mais que o comum dos americanos. «Sabes, não sei o que vai acontecer à minha reforma», disse ele. Como assim, man? Chegas aos 65, penduras o casaquinho e a gravata das cornucópias roxas, compras um Cadillac e começas a fazer planos para visitar a Europa – esse continente que nem fazes ideia onde fica, mas ouviste dizer que é «um país bonito». Mas não era a isso que ele se referia. Estava a falar do dinheiro da reforma, aquele que andou a pôr de parte a vida toda num fundo de investimento e que agora não sabe dele. Porquê? Porque a instituição financeira que lhe atribuiu o plano de reforma fez como qualquer banco e estimou uma solidez financeira que nunca teve e tão cedo não vai voltar a ter. Ou seja, na realidade tem uns bons milhões a menos do que aqueles que sempre disse aos investidores que tinha e se, agora, toda a gente corresse a tirar de lá o dinheiro para o guardar debaixo do colchão, seria altamente provável que a mesma instituição financeira só tivesse dinheiro suficiente para devolver as uns dois ou três clientes.

Outro pânico dos americanos é o da segurança. Para se visitar o 103º andar da torre mais alta dos Estados Unidos – desde que as outras duas vieram cá parar abaixo que a Sears Tower ficou como a mais alta dos EUA, a 3ª de todo o mundo logo a seguir ao Burj do Dubai e à torre de Toronto, no Canadá – é preciso fazer um strip-tease quase completo e passar por um detector de metais mais sensível que o dos aeroportos, porque até apitou por causa do meu dente de ouro e por causa da placa que eu tenho no crânio desde que estive exposto a um bombardeamento na Guerra do Golfo. E ainda só estava no piso térreo. Depois de 40 minutos para comprar bilhete, tive que esperar na fila para entrar… depois na fila para a sala de espera para ver um vídeo de meia hora… – «desculpe, menina, não posso passar à frente e evitar esta parte? É que eu não quero ver filme nenhum, eu já sei a história toda, só quero lá ir acima espreitar cá para baixo…» Não, não podia, tinha que ficar meia-hora no meio de oitenta japoneses a ver um documentário sobre a construção do edifício… – depois na fila para passar as portas rotativas… depois esperar na fila para o elevador… e no final das contas o elevador até é a coisa mais rápida de todo o processo, porque leva 62 segundos a subir o 0 para o 103…

Ouve-se o *PLIM* da chegada do elevador e, no pico da ansiedade, quando esperava que as portas se abrissem para receber aquela rajada de vento frio por estar prestes a pôr o pé no topo de uma torre a 527 metros do chão… bolas, é um piso fechado?! Então e a cena que se vê nos filmes? O ver o mundo de cima para baixo a respirar oxigénio puro? Nada. O skydeck da Sears Tower é um enorme andar totalmente vidrado, fechado e com barras grossas para impedir que alguém se queira suicidar – só se fosse esborrachado com toda a força contra os vidros! Assim que a porta se abre vêem-se crianças de todas as idades a correr de um lado para o outro (acho que tive azar e apanhei três visitas de estudo), japoneses mais preocupados em tirar fotos junto a um poster gigante do mais ilustre habitante de Chicago de toda a História (Michael Jordan), gente a espreitar para dentro daqueles super-binóculos de metal que funcionam com moedinha como se vê nos miradouros e montes de gente a tirar fotos com flash – o que não deixa de ser notável, tendo em conta que o flash reflecte nos vidros e inviabiliza o efeito de ficar com a cidade como fundo. Acreditem, eu experimentei. Do tempo todo que eu lá estive em cima, que deve ter totalizado qualquer coisa entre dois e três minutos, andou sempre um segurança atrás de mim – terei cara de árabe? Mas eu sou tão branquinho…

Resultado: treze dólares para quase uma hora de espera, meia-hora de filme e três minutos de uma sensação igual a estar nas Amoreiras. Porreiro. Haverão de me apanhar aqui mais vezes.

Nova Iorque e Chicago parecem cidades gémeas. A diferença é que a primeira é quase três vezes maior que a segunda e para se ir ao «fim dos arredores de Nova Iorque» é preciso apanhar um avião. Mas, de resto, no centro é quase tudo igual. Mas há uma coisa que distingue Chicago de qualquer outra cidade americana e, bem vistas as coisas, qualquer outra cidade no mundo: um comboio de superfície que anda ao nível de um sexto andar. E isto não é só numa rua ou outra, meus amigos. É no coração da cidade e em algumas das artérias principais. Por baixo passam os carros, as pessoas, as bicicletas e os espanhóis, por cima passa o comboio, numa linha férrea engenhosamente montada em cima de estruturas de ferro que parecem servir de telheiro para quem está em baixo. Isto até parece muito simpático – é como ter um metro mesmo no centro da cidade, sem ter que esventrar o chão com túneis intermináveis e sem ter que interromper o trânsito (caótico, por sinal) nas ruas mais movimentadas. Boa ideia. Tirando, claro, o facto do comboio ser extremamente ruidoso e passar rigorosamente ao lado da janela do meu quarto no hotel. Cada vez que o comboio passa – o que a determinadas horas pode acontecer a cada dois minutos – parece que deitaram a Sears Tower abaixo. Uma ideia simpática que não me deixa dormir.

Os Estados Unidos são, igualmente e como se sabe, o país dos avisos mais inúteis. Alguns exemplos: no conversor de corrente eléctrica EUA/Europa: «não usar como antena de TV»; numa garrafa de água: «remover tampa de plástico antes de ingerir»; antes de entrar num túnel: «remova os óculos de sol»; num frigorífico: «não-indicado para guardar animais vivos»; numa porta rotativa: «não entre no sentido contrário ao da porta giratória»; numa auto-estrada: «não use o efeito de travão-motor em horas de proibição de ruído».

Mas os americanos são, devo dizer, especialistas em fazer tudo dentro de um automóvel. Só eu vi dezenas a falar ao telemóvel, um a fazer a barba, uma a pintar-se, uns quinze com um hambúrguer numa mão e a coca-cola na outra, uns quantos a ler o jornal e até um que colocou com mestria o seu computador portátil no tablier do carro para ir a usá-lo enquanto conduz. Tudo isto numa auto-estrada e em andamento. São educados e muito simpáticos, os sobrinhos do Tio Sam. Infelizmente, não têm a mínima ideia do que cá fazem no mundo. E o pior é que nós também não sabemos como livrar-nos deles, caso contrário a ideia de viver nos Estados Unidos faria todo o sentido.

Thursday, July 24, 2008

Wrocław tem um «L» cortado e um senhor com a pila à mostra

Há sítios que não parecem deste mundo. Locais onde a Terra acabou, deixou de existir como a conhecemos, tudo é estranho e diferente, como se fosse de outro planeta. E isto acontece com mais frequência do que imaginamos. Entrando em Barcelona pela Avenida Diagonal, por exemplo, parece que entrámos numa infinita galeria de arte, com elementos visuais de todas as formas e estilos, gente de todas as cores, prédios de todas as raças. Subir até ao Arco do Triunfo, em Paris, deixa a sensação de estarmos num filme do Claude Lelouch (claro, o «Rendez-Vous à Paris» pesa demasiado no subconsciente). Sair da via rápida da Caparica em direcção à Trafaria deixa a sensação que estamos a sair de um subúrbio miserável de uma grande cidade para entrarmos num acampamento de ciganos. São cenários estranhos, às vezes desenquadrados da realidade anterior.

Acontece mais ou menos isto com uma cidade chamada Wroclaw, na Polónia. A começar pelo nome: escreve-se «Wroclaw», mas lê-se «’róclô», isto se for dito por um polaco; se for dito por um alemão, diz-se «Breslau»; se for um checo diz «Vratisláv»; se for um português pode dizer «Vratislava», mas depois pode ter a certeza que vai ser considerado idiota porque «Bratislava» é uma cidade na Eslováquia que fica a quase 500 km dali. Por esse motivo, preferi passar o tempo a dizer «Vróclav» com o mais fino sotaque de Corroios, para ninguém me entender mal. Para além disso, é bem capaz de ser o único nome de cidade no mundo que se escreve com um «L» cortado. Com este: «ł». Palavra de honra. Escreve-se «Wrocław». Nem todos se podem orgulhar disto, de maneira que a partir deste parágrafo vou passar o tempo a escrever «Wrocław» como deve ser.

Wrocław parece, como dizia, fora do tempo e do espaço. Quem vem da Alemanha, mesmo da parte oriental, fica sempre com a ideia que deixou o seu planeta-natal e entrou em Júpiter. Porquê? Bom, a começar porque, regra geral, cheira mal. Na atmosfera de Júpiter há amónia e metano, na atmosfera de Wrocław também. Imagine-se: saímos de Berlim Leste, que já de si parece um bocado Reguengos de Monsaraz em fusão com a Holanda dos anos 40, e entramos numa dimensão à parte, com campos de cereais a perder de vista tipo Russell Crowe no «Gladiador», mas com uma coloração mais para «Uma Casa na Pradaria», como se o sol queimasse a película do filme. Quase que ia jurar que vi o gajo que fazia de «Anjo na Terra» a correr por ali abaixo.

- «Comeste alguma coisa estragada?», pergunta o meu companheiro de viagem
- «Como assim?», foi a minha resposta incrédula
- «Cheira mal», disse ele
- «E que culpa tenho eu disso??!»
- «Podias estar mal da barriga», justificou ele
- «Não, não estou mal de lado nenhum»
- «Cheira a ovos podres...», disse ele, instantes antes de eu dizer
- «Olha, uma placa a dizer Wrocław»...

Cheira mesmo mal. Não entendo. A única explicação é a possibilidade do cheiro vir do rio Odra. Mas, pelo aspecto, não deve ser dali. O rio é tão limpo que merecia bandeira azul. Industrialmente, não há muito por onde pegar. Wrocław não tem fábricas mal-cheirentas e os principais focos de poluição vêm das linhas de produção de comboios de duplo carril e dos chips para a indústria electrónica. De repente, já em pleno centro da cidade, o mau cheiro adensa-se. Em breve, tudo fica explicado: uma famosa empresa portguesa de construção civil foi contratada para fazer umas obras gigantescas ali mesmo e a nuvem de poeira com aspecto de ameaça química não deixa grandes dúvidas sobre a origem do perfume.

Wrocław é conhecida pelas suas universidades (algumas das melhores da Europa, dizem), por uma estátua de um gajo com uma espada na mão e a pila à mostra e pela bonita praça central, chamada Rynek e que dizem que contém alguns dos mais belos edifícios históricos da Europa. Um sítio que até podia parecer ainda melhor, se mesmo no centro da praça não tivesse montado um mega-estádio com capacidade para 5 mil pessoas se sentarem a ver, num ecrã gigante, os jogos da selecção polaca de futebol. Não falta uma tendinha com jogos de matraquilhos e barranquinha de cerveja para beber de pénalti.

Resolvi descansar uma horinha no hotel, porque vinha amassado de uma penosa viagem de cinco horas e meia de avião com aquela que se auto-proclama «a companhia charter líder do mercado polaco». Tendo em conta que não existe outra, é bem capaz de ser mesmo líder. Acordei quando o dia já se tentava escapar pelo horizonte e resolvi ir dar uma volta, para procurar um sítio para petiscar qualquer coisa. As ruas que ligam à praça central estavam desertas, não se via ninguém. Pudera, estavam todos no estádio improvisado a ver um jogo de futebol e os que não arranjaram lugar estavam nas esplanadas circundantes a entornar cerveja em copos de plástico. Estive um bom bocado para conseguir arranjar mesa para me sentar, algures entre os sete e os doze minutos, o que, tendo em conta a paciência que costumo ter para ficar à espera do que quer que seja em qualquer sítio, posso considerar quase um recorde. Finalmente sentaram-me numa mesa de esplanada e trouxeram-me um menú todo escrito em Wrocławês. «I can’t read polish», tentei fazer-me ouvir entre os gritos «Polska! Polska!». O empregado fez dois ginetes com a cabeça para cima e para o lado, tirou-me a lista da mão e foi para dentro. Voltou uns cinco minutos depois com cara de quem tinha perdido à bisca e trouxe-me uma cerveja. Tendo em conta que a selecção polaca tinha acabado de sofrer um golo, achei mais prudente fingir que era aquilo mesmo que eu tinha pedido.

Antes de ir para o jantar que estava marcado dei mais uma volta pela praça e seus circundantes. Entretanto, o jogo acabou. As ruas começam a encher-se de gente a andar em todas as direcções, uns com camisolas da equipa deles, outros com cachecóis, e todos, mesmo todos, com um grande melão. A Polónia tinha perdido. Num assomo de crueldade invulgar até mesmo para mim, resolvi perguntar o resultado a um grupo de gente jovem com ar de que sabia falar inglês. «We lost 2-0», disse um rapaz antes de me perguntar de onde eu era. O momento em que lhe contei de onde vinha devolveu-lhe o sorriso à cara: «oh, you and your Cristiano Ronaldo, you lost with us, remember?». Achei que se calhar era altura de ir jantar.

Disseram-me que o jantar seria uma combinação de pratos tradicionais Wrocławenses. Porreiro. Ao menos que sirva para ficar a conhecer mais qualquer coisa. Começamos por uma sopa que se chama «żurek» e que, para não variar, tem uma letra esquisita no nome: aquele «ż» com um pontinho em cima da cabeça. Vem em cima de uma bandeja e a primeira impressão é assustadora – é um pão que tem o tamanho de uma abóbora, está cortado na parte de cima e, lá dentro, tem a sopa tradicional. Digo-vos só que sabe infinitamente melhor do que aquilo que o aspecto permitia antever. O resto do jantar meteu «pierogi», uma espécie de ravioli gigante recheado com queijo e carne e outras porcarias e polvilhado com uma treta parecida com soja que não consegui identificar, juntamente com «zrazy», uma misturada feita de carne que também leva bacon, cogumelos e pepino, acompanhada de «mizeria», uma salada que leva pepino e aipo e que, como o próprio nome indica, sabe quase tão mal quanto o aspecto que tem. Para sobremesa serviram um cheesecake tradicional chamado «sernik» e um bolo tipo esponja, recheado, horrível, chamado «makowiec».

Apesar de parecer uma cidade deslocada do mundo, Wrocław acaba por ter algumas coisas familiares. Pessoas com muito mau aspecto, por exemplo. Há disso por todos os lados. Lixo no chão, também. Carros estacionados em cima do passeio, paredes riscadas com grafittis imperceptíveis, gente a passar com o rádio do carro em altos berros, bosta de cão em quase todos os passeios e até vendedores de mercadoria contrafeita. Apercebi-me que não há uma estrada que não tenha um buraco enorme e, juntando a memória de ter visto aquela obra feita por uma empresa que me era bem familiar, senti um arrepio na espinha por pensar que, afinal estava em Portugal.

Monday, February 18, 2008

Movimento proactivo de fundação do carnaval do Monsanto


Tenho uma ideia: vamos brincar ao carnaval no Monsanto. Sim, esse mesmo, o Monsanto de Lisboa. Querem melhor sítio para fazer um desfile de carnaval? Várias zonas estão cortadas ao trânsito, há zonas verdes com fartura e árvores para a malta se empoleirar a ver o corso. No final do dia há, digamos, hospedeiras dispostas a fazer vários tipos de serviço. Parece-me tudo reunido para uma grande festa.

Eu sou a favor da criação de um movimento «pro-carnaval do Monsanto». Mas com uma condição: tem que ser num dia igual ao de hoje.

Hoje foi o dia em que Lisboa acordou dentro do Rio Tejo. Se não era o Tejo, era um primo dele, tal a força com que a água jorrava lá do cimo do Monsanto, qual cascata num anúncio de shampoo. Ruas inundadas, automóveis submersos e pessoas em dificuldades para chegar ao trabalho: querem melhor pretexto para convencer o Governo de que este era um dia perfeito para se fazer um feriado, chamar-lhe carnaval e deixar toda a gente de folga?

Seria perfeito. O Governo decretaria feriado nacional para todos aqueles que quisessem ir para o Monsanto assistir ao desfile de carnaval, devidamente munidos com as suas barbatanas, snorkel, fato impermeável e, quem sabe, prancha de wakeboard. Pelo menos o disfarce de escafandrista seria um sucesso no carnaval do Monsanto, dia 18 de Fevereiro de 2008.

* - PS. A foto estava no sapo. Não sei de quem é, mas tenho pena da pobre senhora e do seu discreto disfarce de carnaval.

Sunday, January 27, 2008

O Carnaval mais português de Torres Vedras

O Carnaval de Torres Vedras é conhecido como «O Carnaval Mais Português de Portugal». É um bom slogan, mas é, por si só, um erro: o Carnaval é brasileiro. De mais lado nenhum. Mesmo o de Veneza, que me parece um Carnaval bastante tradicional e histórico, não é um Carnaval a sério. É um carnavalinho, se quisermos. O Carnaval de Torres Vedras, tal como o Carnaval português, é uma invenção de gente parva.

No Carnaval de Torres Vedras há um atelier de cabeçudos. Imagino um estúdio amplo, solarengo, com soalho em madeira, telas por todo o lado e pauzinhos de incenso a arder e, nas paredes, uma exposição dos melhores cabeçudos de sempre, incluindo Paulo Bento, Mário Lino, Maria João Avillez, José Carlos Malato, Paula Bobone, Pedro Santana Lopes, Maria de Belém (e a sua prima, Fafá), Luiz Felipe Scolari e aquele rapaz que apresenta o «Só Visto» e que agora, parece, vai para a SIC, se couber com a cabeça nos corredores de Carnaxide.

Mas afinal não: o atelier de cabeçudos é um projecto encabeçado (nem de propósito) por Francisco Profírio, que faz demonstrações de como são construídos os tradicionais cabeçudos. Enalteça-se o esforço do Porfírio, mas na verdade alguém devia dizer-lhe que não é necessário fazer um atelier para explicar como se faz um cabeçudo. Basta perguntar à mãe do José António Camacho.

Friday, January 25, 2008

Por que não retomar as mais bonitas tradições de Carnaval?

Até 5 de Fevereiro, o inferno está por aí. Nas ruas, nas escolas e, sobretudo, nos corredores dos centro comerciais, onde se eleva consideravelmente o risco de tropeçar num homem-aranha ou numa fada de três anos.

Loulé, Torres Vedras, Rio de Janeiro, Salvador, enfim, todas as localicades onde o Carnaval é tradição estão a preparar-se para o grande acontecimento, com a diferença de que, nas duas primeiras, é uma tradição parva e só dizem que é tradição porque sim. Em Ovar, o Carnaval ameaça ser o mesmo espectáculo de todos os anos, ou seja, gastam-se rios de dinheiro a preparar um evento de rua que resulta em alguns minutos de noticiário ao fim-de-semana e num incontável número de constipações em quem desfila - e em quem assiste.

O desfile do ridículo é tão decadente que terá uma grande noite de reis (vá-se lá saber porquê) no dia 1 de Fevereiro, pela tropa «Axu-Mal», o que, por si só, não augura nada de bom. Antes há uma noite do dominó ao som de Quim Barreiros e depois haverá desfiles para todos os gostos e uma matiné infantil «Charanguinha», a anteceder a «Noite Mágica». Tudo termina com a publicação de resultados, que serão, como tudo em Portugal, isentos e transparentes e deixarão umas boas dezenas de idiotas a lamentar o dinheiro que gastaram nisto tudo.

O triste espectáculo evitar-se-ia, quanto a mim, se fossem recuperadas algumas tradições do passado, essas sim verdadeiras heranças históricas do que seria um excelente motivo para se festejar o Carnaval.

Nos anos 50 chamava-se «Carnaval Sujo». E porquê? Basicamente porque deixava os intervenientes todos cagados de porcaria, assim como todos os que assistiam. «O 'Carnaval Sujo' teve poucas edições, durante os anos 50, acabando por sucumbir aos seus próprios excessos», pode ler-se no website oficial do Carnaval de Ovar. Não entendo, devo dizer, o que se quer salientar por 'excessos'. Um bando de homens a atirar porcaria uns aos outros, incluindo cal, carvão ou serradura, parece-me um excelente pretexto para se armar um Carnaval. Nesta altura do ano ou noutra qualquer. A tomatina de Buñol faz-se em Agosto a fechar umas festas tradicionais e não me parece que alguém se queixe, a não ser as centenas de espanhóis parvos de dão entrada no hospital com feridas de pele e olhos à Belenenses e queimaduras e problemas psíquicos. Podia retomar-se a tradição, em Ovar. De certeza que era mais divertido, as imagens na TV teriam todo um novo élan e pelo menos a malta tinha motivo para descarregar as suas frustrações uns nos outros.

O mesmo website diz que «pela sua singularidade, o 'Carnaval Sujo' ainda hoje é recordado como um importante marco do Carnaval Vareiro», sem que se especifique a parte «recordado por quem», uma vez que já não existem pessoas suficientes que tenham entrado nestas festividades e, as que existem, são impedidas de recordar os acontecimentos por causa do alzheimer. Mas as belíssimas fotos de época do Estúdio Almeida lá estão para documentar o que se fazia naquela época.

Quanto a mim, isto devia voltar. Se assim fosse, passaria a olhar para o Carnaval de uma outra maneira e incentivaria todas as outras regiões do país a adoptarem este tipo de celebrações, com arremessos de ovos, picaretas, capachinhos, cabeças de zés-pereira, bloqueadores de automóveis mal estacionados, cabeças de porco embalsamadas, vendedores porta-a-porta do Clix ADSL, livros da Margarida Rebelo Pinto e, num lampejo de agressividade que fica sempre bem, talvez farinha.

Há quem pague 10 euros para ver o corso carnavalesco. Dinheiro bem empregue era pagar 10 euros para ver parvos a atirar porcaria à cara de outros parvos. Isso sim.

Wednesday, January 23, 2008

Vermelho, em piemontês, quer dizer uma coisa completamente diferente


Não sei quem ensinou os italianos a guiar, mas suspeito que terá sido o mesmo artista que ensinou as boas maneiras aos espanhóis. Turim não é uma cidade grande - milhão e meio de pessoas movimenta-se por aqui com o à-vontade de quem vai a Sintra comer um travesseiro, com a diferença que o trânsito não se acumula em Ranholas mas sim ao longo de todo o Rio Po (sim, chama-se assim. «Po» em italiano é «pouco», em português é uma coisa diferente; em piemontês, um dialecto que se fala na região de Piemonte, quer dizer «Po» porque nem eles sabem explicar a origem do nome do rio que nasce nos Alpes).

Turim tem umas avenidas largas, mesmo à italiana: de um lado o rio, do outro casas e mais casas. Ao meio passam as avenidas que têm quilómetros e extensão e, ainda mais ao meio, os carris dos eléctricos aqui da zona. O rapaz que pintou as marcas de trânsito no pavimento deve ser descendente do Leonardo Da Vinci, tão direitinho que pintou as linhas no chão. Estão um mimo: duas faixas impecavelmente desenhadas no asfalto, para identificar duas vias de trânsito no mesmo sentido. Infelizmente, os italianos - especialmente estes piemonteses - não percebem nada de arte, ou então andam todos no mesmo oftalmologista que lhes troca as dioptrias por completo. Em cada avenida de duas faixas, os condutores de Turim inventam, pelo menos, mais duas.

É o caos completo que, verdade seja dita, até parece muito organizado: toda a gente sabe que, havendo espaço, naquela avenida circulam, lado-a-lado, tantos carros quantos os que se encaixarem. Depois páram nos semáforos, que, curiosamente, estão com a luz verde acesa. Cruzando a via de outra avenida perpendicular aparecem vários carros a uma velocidade de fazer corar o Michael Schumacher. O que me leva a pensar que, estando este sinal verde, o deles estará vermelho. Esperei até ao semáforo seguinte para confirmar e é mesmo verdade: os italianos avançam com o sinal vermelho. Está instituído. É lei. Todos fazem, ninguém refila.

O problema é quando chegamos a uma praça central, ou coisa que o valha, onde nenhum artista plástico desenhou marcas no chão. Nessa situação, meus amigos, valha-nos São Tom Tom. Eles avançam em todas as direcções, sem medo uns dos outros, como guerreiros montados a cavalo em duelos de lanças. Tanto nos pode aparecer um carro de frente e passar pela esquerda ou pela direita, e isto no exacto instante em que outro carro nos ultrapassa a velocidade considerável. Da direita aparece um maluco a cruzar a avenida para o lado oposto e quase choca de frente com outro, que faz o sentido inverso.

Assim que acaba o susto e recuperamos os sinais vitais, começamos a achar divertido. É uma mistura de «Destruction Derby» com «Carmaggedon», mas em versão real. E a conclusão mais engraçada de todas é a de que os habitantes de Turim, todos aqueles com que consegui trocar três palavras sem ser em piemontês (que é uma língua que só os piemonteses percebem, e mesmo assim depois de entornar duas garrafas de tinto da Toscânia), não fazem a mínima ideia para que raio serve aquelas luzes vermelhas que se acendem nos semáforos. Aliás, a malta de Turim com quem conversei acha que o vermelho é simplesmente aquela cor que fica bem nos cartões que se mostram aos jogadores da Juventus no derby da cidade.

Turim faz-me lembrar a Roménia. O que não deixa de ser especialmente interessante, tendo em conta que eu nunca estive na Roménia.

Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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