Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Monday, November 05, 2007

Visby: um sítio onde, na verdade, não se passa rigorosamente nada

Visby é uma cidade perdida no meio do nada e fica próxima de lugar nenhum. A cidade em si foi fundada no Século X, na altura como capital da ilha báltica de Gotland, mas desde então até cá parecem ter passado apenas três meses, porque, ao que parece, está tudo na mesma. As casas estão tão velhas que o musgo e a podridão se recusam a apoderar-se delas. Não se vê viv’alma nas ruas, talvez porque está a chover como o raio e quem andar cá fora só pode ser maluco. Ou parvo. Há estradas que entram e saem de florestas sem que se veja uma única habitação, mas caixas de correio crescem na beira da estrada como cogumelos. O ambiente é dramaticamente medieval e a qualquer altura esperamos ver aparecer de uma viela estreita um cavaleiro de armadura, montado no seu cavalo raquítico e de lança em riste. A UNESCO resolveu classificar Visby como património da Humanidade, mas se há coisa que não se vê por aqui é sinal da vida humana.

A própria ilha de Gotland é um deserto. Só que sem areia (pudera, com tanta chuva e neve!). Gotland é território sueco e Visby quer dizer «sítio do sacrifício». Não sei por que motivo, mas desconfio que é por ser uma verdadeira provação ter que viver num sítio assim. Para evitar que a malta quisesse fugir dali, certamente por não ser o sítio mais animado do reino da coroa sueca, os antigos donos da cidade mandaram construir um muro a toda a volta, conhecido por «Ringmuren», uma estrutura em pedra que tem quase três quilómetros e meio de extensão e que ainda hoje existe, não vá algum visbyense maluco desatar a querer pirar-se dali para fora.

A malta daqui não é especialmente simpática. Primeiro porque fazem-se quilómetros e quilómetros sem se ver ninguém. E quando finalmente chegamos a um lugar onde se pode confraternizar, não há quem saiba falar inglês. Como o meu sueco é quase tão bom como a capacidade de raciocínio do Luís Delgado, a comunicação faz-se por gestos, coisa que esta rapaziada não acha grande piada. Parece que têm medo que sejamos emissários da Dinamarca armados com paus e fisgas para os atacar – isto porque, consta, durante anos e anos estas gentes de Visby foram atormentadas por um tal de Valdemar, um pretendente ao trono da Dinamarca que entrou por aqui e anexou o território. O Valdemar Atterdag, quarto de uma descendência que honrava tão bonito nome, era um grandecíssimo mariola e mau como as cobras. Filho de Cristóvão II, acabou preso na Alemanha por causa da incompetência do pai em liderar os exércitos dinamarqueses nas suas batalhas no norte da Europa. Assim que se libertou, reuniu um grupo de bêbados e desatou a conquistar territórios inofensivos na Escandinávia até conseguir autoproclamar-se rei da Dinamarca. Como se não bastasse ter virado o reino da Dinamarca de pernas para o ar – coisa em que até o Shakespeare reparou – ainda deixou suecos, noruegueses e finlandeses às bofetadas uns com os outros.

Para os pobres habitantes de Visby, como se não fosse castigo suficiente ter que viver às ordens de um dinamarquês emproado chamado Valdemar e ainda por cima num sítio onde a maior emoção do dia é capaz de ser ir ao leite (tendo em conta que não há vacas, têm que ir tirá-lo aos cavalos), do lado oposto da cidade ainda tinham que aturar os piratas, que vinham as magotes, dentro dos barcos-rabelo. Durante anos e anos a cidade foi conhecida como o principal porto de abrigo para piratas, ladrões, violadores, administradores do Benfica, cateiristas, espanhóis e todo o tipo de escroques, se bem que apenas os piratas davam nas vistas, porque se embebedavam todas as noites e ficavam às tantas a cantar o «Soltem os Prisioneiros» dos Delfins em plena rua, sem deixar a malta dormir. O lobby dos piratas era liderado pelos irmãos Victual, que tinham pouco ou nada a ver com os irmãos Vickers que fizeram o primeiro voo da História – um desastre com uma máquina ridícula que pairou a três centímetros do chão durante 13 segundos, mas suficientemente espectacular para alguém ter considerado que aquilo era o primeiro avião da História. Os irmãos Victual eram sustentados pela rainha Margarida da Dinamarca e pelo Duque Alberto de Mekelenburg, um antepassado do Alberto do Mónaco que, à imagem deste, era um grande garanhão e queria à força engatar a Margarida. Então encarregou os irmãos Victual – que vem do latim «victualia», ou seja, provisões – de irem aos países vizinhos roubar tudo o que ele precisava para fazer a corte à rainha: roupas lavadas há pelo menos seis meses, um ramo de flores de plástico para nunca murcharem e pauzinhos de incenso para queimar enquanto faziam cenas de um erotismo extremo ao som dos melhores êxitos de Sérgio Godinho.

A situação atroz que se vivia em Gotland e em Visby só se resolveu em 1645, depois dos alemães terem ajudado a destruir de vez o que sobrava de bonito na cidade, ou seja, todas as igrejas, com excepção da grande catedral, que era para se abrigarem do frio (que aqui corta mais do que a lâmina da catana do talhante do meu bairro). Pegaram fogo a tudo o que apanharam pelo caminho para se aquecerem, porque estavam a bater o dente e a ficar com frieiras nos joanetes, de maneira que ainda hoje existem essas ruínas. A malta acha que é para dar charme e para convencer a UNESCO a dar alguma importância à cidade, mas eu cá desconfio que é mesmo porque está um frio que não se aguenta e reconstruir casas antigas ao frio deve estar a meio caminho entre uma pneumonia e um ataque de anginas. O Tratado de Brömesbro pôs termo a 300 anos de ocupação dinamarquesa (calma lá que o tal o Valdemar não durou tanto tempo e já não era vivo nessa altura, morreu aos 294 anos quando tentava contair matrimónio com uma armadura espanhola, depois de ter passado a noite a fazer amor com duas lituanas loiras que, afinal, eram Vikings de bigode e tranças). O armistício foi acordado entre a Suécia e, na altura, a aliança Dinamarca/Noruega, que acederam a devolver o território em troca de um presunto de Chaves, uma edição de coleccionador do primeiro volume da revista Gina, um duplo-vinyl da Mireille Mathieu no Olympia e duas game-box para o Estádio de Alvalade, incluindo jogos para a Champions.

A malta de Visby não chama Visby a Visby. Chamam-lhe «cidade». Um sueco de Estocolmo traduzia a conversa para nós: «eles dizem que têm que ir visitar a cidade porque vale a pena». Mas qual cidade? «A cidade». Pois. Só há uma, chama-se Visby e, digo-vos eu que nunca minto, é quase tão grande como a Cova do Vapor, na Trafaria. Com menos estilo, claro. É um aglomerado de casas a perder de vista – há uma aqui ao pé de nós e outra a uns 750 metros de distância e, garantem-nos, estas duas famílias são amigas há várias gerações. Cafés, não há. Parece que há um bar junto à muralha, no porto, onde se pode ver o futebol e tudo (o dono do bar pede a um amigo de Gotemburgo para lhe gravar os jogos do campeonato em Betamax e ao fim-de-semana organiza sessões de visionamento para toda a gente da cidade assistir, o que prefaz uma assistência de umas dezasseis pessoas). A loja de souvenirs tem um ar mesmo típico daqui desta região. Só vende redes de pesca, isco, anzóis, canas, barcos de borracha, galochas, impermeáveis, capotes, amarras e fios de nylon, o que me deixou seriamente a pensar se não teria a tradução equivocada entre «loja de recordações» e «loja de pesca».

É tradição a ilha encher-se de gente no Verão, porque só chove às meias-horas de seguida e a temperatura quase rebenta a escala do termómetro, atingindo uns infernais 15 graus! As pessoas instalam-se em tendas de campismo ali bem junto às águas do Báltico, que nessa altura do ano convidam a um belo mergulhinho com os seus 9 graus que mais parecem uma canja de galinha. Na semana nº 32 de cada ano do calendário romano, ocorre uma festa muito popular por estas bandas: a semana medieval. É nesta altura do ano que os turistas se cruzam frequentemente com pessoas locais vestidas à época, com saiotes e sandálias do tempo do Ben-Hur e semi-armaduras a proteger o tórax e as partes baixas. Os turistas acham piada e riem-se, mas nem desconfiam que esta gente anda assim vestida o ano todo, porque nunca aprenderam a vestir-se de outra maneira e a Cosmo não chega a Visby.

É neste cenário bucólico, deserto, inóspito e mais alguns sinónimos para «feio» e «sinistro» que não se passa rigorosamente nada. Não passam carros, não há gente nas ruas, não há mendigos com realejos nem ceguinhos a pedir no metro. Nem sequer uma ciganita a vender camisas da Gant por 15 euros. Nada. Não se ouve um pio, porque os pássaros, uns morreram de tédio, outros de frio e os que restavam fugiram para o Ártico para ver se descobriam pinguins (sem saber que os pinguins emigraram todos para o Hemisfério Sul a bordo do Lusitânia Expresso). No meio de uma ilha fria, quase morta e sem nada para fazer, um maluco endinheirado resolveu construir um circuito de velocidade. O Gotlandring é conhecido como a mais exigente pista de velocidade a Leste de Estocolmo, mas claro que se esqueceram de dizer que é também a única. É um projecto fantástico, que por agora tem pistas com nove quilómetros de perímetro e várias configurações possíveis, estrutura para todo o tipo de ensaios de automóveis, bancadas para corridas de campeonato e zonas para testes técnicos e científicos. No futuro, vai ter mais 20 km de pistas para percursos de todo-o-terreno, ralis, snowmobile e mushing. É uma logística interessante e moderna, alimentada por um complexo eólico de umas três ou quinze ventoinhas gigantes. As ventoinhas chamam-se «Vestas», em homenagem ao idiota que resolveu fazer uma obra destas num sítio onde não mora ninguém, o sol põe-se às três da tarde, chove o ano todo e chegar lá demora, no mínimo, metade de uma eternidade...

Wednesday, June 20, 2007

Fazes favor dás-me um croissant antes que lhe chame «pão-de-mafra»?

Eu não sou obrigado a saber falar francês, pois não?

Sou desenrascado em línguas. Dou uns toques de inglês, desenrasco-me com o italiano (basicamente, acabo todas as palavras em «ini» e parece que me safo..), cuspo-me todo a falar espanhol e gostava de ter ficado na escola tempo suficiente para saber falar português. Mas no francês estou perto da nulidade, como de resto em tudo o mais na vida.

Estive uns dias em França e tive que tentar falar francês por várias vezes, se bem que, em algumas das tentativas, me tenha ficado só mesmo pela tentativa. Pelo menos a avaliar pelo ar com que me olhavam quando eu tentei o «sile vû plé, le chemã pûr lá avenue de lá grande armê».

Em França, no essencial, os que lá vivem sabem falar três línguas: francês, francês fanhoso e francês amaricado. Tudo originário das línguas românicas. Quanto a entender, só entendem francês. E, mesmo assim, é bom que seja um francês perfeito como o do Toulouse Lautrec. Não adianta preparar mentalmente a frase para depois chegar e dizê-la com sotaque da Arrentela. Não resulta. Ou se diz «excusez-moi, est-ce que vous savez le chemin pour Chartres?», ou não adianta. Se vamos numa de «ikscuze-moi, saves le chemin para Chates?», parece que os estamos a perguntar pela irmã muçulmana de 17 anos.

Arranjaram-me um alojamento curioso: um castelo. Não era um castelo dos pin-y-pons nem o castelo do drácula. Era um castelo a sério. Trouxe uma fotografia e tudo, para mostrar que não ando aqui para enganar ninguém. Alguém decidiu reconstruir totalmente um antigo castelo senhorial e converteu-o assim numa espécie de turismo rural. Perdido no meio de um bosque, à noite só vêem os candeeiros da entrada e a lua a tentar espreitar por detrás das nuvens. Por dentro, os longos corredores estão decorados com cabeças de veado embalsamadas, capacetes de armaduras, brazões, morcegos, espadas e espingardas do início do século. Sim, eu disse morcegos e está certo. Morcegos verdadeiros. Dentro de um dos quartos estava um, comodamente pendurado numa das vigas de madeira, a descansar o seu belo soninho, quando alguém acendeu a luz e ele começou a esvoaçar completamente perdido às cabeçadas a tudo o que apanhava pela frente. O quarto que me arranjaram não tinha morcego, mas também não tinha sanita. Se acaso me desse a vontade, tinha que atravessar o corredor a correr, sendo provável que lá chegasse impróprio para contar.

A senhora que andou a distribuir os hóspedes pelos quartos falava francês com o tom grave e monocórdico daquele rapaz que faz o programa de rádio «A Hora do Lobo». Mas falava ainda mais baixinho, para não acordar o dono do castelo. Do seu francês coloquial só percebi a que horas era o pequeno-almoço e qual era o número do meu quarto. O sítio onde eu ia dormir tinha uma área maior que a da minha casa, porque ocupava, na totalidade, a extremidade do castelo, aquela «chaminé» redonda que se vê na imagem. A casa de banho era um bocadinho mais pequena, mas sempre dava para fazer um joguinho de Futsal, uma vez que a sanita estava ausente e bidé – que por acaso é uma invenção francesa do século VII, portanto, contemporânea do castelo – nem vê-lo. A banheira estava arrumada num canto e tinha mais ferrugem que as gruas abandonadas da Setnave. O soalho range como nos filmes de terror (nos maus). A porta não fecha. Os estores não descem, mas as cortinas sempre fecham, mesmo que pesem como chumbo. Deitei-me em cima da cama e afundei-me quase até ao andar de baixo. Não sabia que era permitido fazer colchões tão moles.

Dormi a correr para estar pronto a horas na manhã seguinte. A mesa, comprida e larga como a do rei Louis XV, estava cheia de pão tipo cacete, que os franceses transportam com mestria debaixo do sovaco, e croissants acabadinhos de fazer, segundo o que a senhora estalajadeira disse. Ou então disse outra porcaria qualquer, mas eu quis acreditar que eram elogios às propriedades estaladiças dos croissants. Resolvi perguntar pela manteiga: «sile vû plé, ú-é le borre?». A gargalhada de quem estava à mesa fez-me sentir um comediante, mas a cara da madame era mais para o insulto do que para a piada.

É cedo, manhã muito cedo, mas o portageiro parece fresco como um carapau na lota de Leixões. Apeteceu-me perguntar-lhe onde raio é que andava ontem às duas da manhã, quando cheguei à porcaria da portagem e não estava lá ninguém. Rigorosamente ninguém. A partir de uma certa hora, as portagens funcionam em auto-gestão: ou trazes o cartãozinho de crédito para pagar no automático, ou bem que ficas parado porque a cancela não sobe. Olhei outra vez para ele e disse, com esmero na voz: «dones-muá le récibe?». Ele riu-se, o palhaço.

A partir desse momento decidi começar a falar inglês com todos os que apanhasse pela frente, mas o chauvinismo dos franceses é tão grande que encolhem os ombros e juram a pés juntos que não entendem inglês. E também dizem que não percebem português quando lhes digo «o Sarkozy é bêbado». E eu, que sou uma besta, não sei dizer-lhes nada de jeito em francês, para os deixar mesmo irritados.

Fiquei convencido que tenho que aprender a falar francês. Por nenhum motivo que me seja verdadeiramente útil, apenas para poder ofendê-los com mais estilo e perceber de que maneira me insultam de volta.

Em 1999, o francês era a 11ª língua mais falada no mundo. A língua portuguesa é a 5ª mais falada em todo o mundo, embora a maior parte dos 210 milhões que a falam a tratem com os pés.


Friday, May 04, 2007

O banho, a meia, a toalha e o parvo: há um turco para cada necessidade

Há o banho turco, a meia turca, o atoalhado turco de qualidade e o turco propriamente dito. O turco propriamente dito é um cidadão, essencialmente, parvo. A única coisa que não é parva no turco é o facto de odiar de morte os gregos, já de si criaturas bastante parvas. Mas o que nem turcos nem gregos sabem, na verdade, é que eles são iguais. Tão iguaizinhos, que parecem irmãos. Como se, nos primórdios, o chefe de uma família «turcomenigrega» tivesse sido forçado a expulsar dois dos seus filhos de casa: a um, mandou-o para um país retalhado e plantado entre os mares Mediterrâneo, Adriático e Egeu, dando-lhe como castigo um puzzle gigante de pequenas ilhas das quais nunca ninguém conseguirá decorar todos os nomes; ao outro, mandou-o para a Ásia tratar de uma gigantesca propriedade rural, com apenas uma unha negra plantada do lado de cá de um estreito. O turco odeia o grego porque acha que ele ficou a ganhar. Como se houvesse alguma coisa a ganhar no facto de se ser grego.

A Turquia é da Europa, mesmo que, na verdade, esteja toda enfiada na Ásia à excepção de um bocadinho de terra que o Atatürk se esqueceu do lado de cá. A capital política da Turquia está na Ásia, porque Ankara é uma cidade absolutamente desinteressante, plantada mesmo no meio do território, onde basicamente apenas se passam reuniões e encontros de políticos mal vestidos. E orações dos árabes. Mesmo assim, a Turquia é da Europa. Quer ser da União Europeia, embora ninguém no seio da verdadeira Europa queira abrir as portas a um país com enormes desigualdades sociais e problemas humanitários graves. Sim, é verdade que já cometeram esse erro com Portugal, daí não quererem repetir. Ainda para mais quando, em Bruxelas, toda a gente se faz desentendida sempre que se fala na Turquia: «Turkey? Oh, that is for lunch, right?», é o que costumam dizer. Porque, acima de tudo, a União Europeia não está preparada para abrir os braços a um país que, entre a sua população, tem uma grande predominância de turcos, que é o mesmo que dizer «ciganos, mestiços de todas as origens e árabes».

Istambul já se chamou Bizâncio e, depois, Constantinopla. Também já foi Augusta Antónia e Secunda Roma. Como nenhum dos nomes era brilhante, passou a chamar-se Istambul, que é sem dúvida uma evolução na continuidade. Istambul não é a capital da Turquia, apesar de ser a metrópole mais populosa de todas. De longe: moram 11 milhões de pessoas em Istambul e seus arrabaldes, o que significa que Portugal inteiro cabia nos 31 distritos de Istambul. É a única cidade do mundo que se situa em dois continentes. O Bósforo é um estreito que esventra Istambul ao meio, criando um contraste interessantíssimo: de um lado estão os turcos parvos que têm a mania que são europeus; do outro estão os turcos parvos que se riem dos turcos parvos que têm a mania que são europeus.

Andar de carro em Istambul é ter a sensação permanente de que se vai matar um turco a qualquer instante. Eles atiram-se para o meio da estrada em qualquer lado e ninguém percebe como conseguem escapar sem ser atropleados. Isto porque os próprios condutores turcos são mais perigosos do que um cinto de explosivos de um palestiniano. Há, portanto, uma relação muito próxima entre suicídio, martírio, assasínio e acidente. Os condutores dos taksis (assim se escreve táxis em turco) discutem travagens com os condutores dos otocars (assim se escreve autocarros em tuco), tudo à mistura com os candutores de ambulâncias (não fixei como se escreve ambulância em turco). É uma discussão de milímetros e são momentos de grande frisson, especialmente se, pelo meio, ainda aparecer um turco parvo a atravessar a estrada. Imaginem a situação: trânsito compacto mas uma média de velocidade respeitável, digamos 70 km/h, o que não deixa de ser interessante tendo em conta que pelo meio existem vários semáforos com contador decrescente dos segundos que faltam para o sinal abrir, o que dá todo um novo sentido à expressão «piloto de semáforo»; o taksista acelera, o condutor do otocar também; disparado lá de trás, vem o condutor da ambulância (bolas, como é que me fui esquecer do nome em turco...) e passa pela faixa número cinco, aquela que acabou de inventar numa via só de duas faixas, espremido entre um Renault 12 a cair de podre e um riquexó; do passeio, acelera furiosamente um turco a correr em direcção ao centro da faixa de rodagem; a ambulans (lembrei-me!!) não lhe acerta por uma nesga, mas o taksista faz pontaria à bacia mas também falha por milímetros; o turco pedestre abranda o ritmo, olha com ar zangado e diz qualquer coisa em turco que deve ter sido do género «se te apanho racho-te uma vareta de pita shoarma nos cornos!».

Há cidades que são conhecidas pelos seus motes, as suas expressões imortais. Como Paris é a cidade-luz ou Nova Iorque é a cidade que nunca dorme. Istambul é a cidade que não deixa ninguém dormir. Os turcos guiam com o pé no acelerador, a mão direita no volante e a esquerda na buzina. Buzinam, buzinam, buzinam e buzinam mais um pouco. E quando estão cansados de buzinar, há sempre um turco companheiro disposto a buzinar por eles. Na Praça Taksim, uma das maiores e mais movimentadas da cidade, a sinfonia de buzinas é ensurdecedora. Todas afinadas em Fá Maior e com cornetas duplas. Às seis da tarde é um verdadeiro inferno: vem gente aos magotes de todas as direcções e, para variar, atravessam onde calha, que é o mesmo que dizer, no primeiro pedacinho de estrada que encontram; há tantos automóveis que não se vê a estrada; cheira a shoarma por todos os lados, o que não é de admirar porque porta-sim, porta-não existe uma casa de repasto que prepara carninha e batatinhas fritas inundadas de óleo; há gente a vender flores, papagaios de papel, jornais, bolos, bilhetes para a bola, senhas grátis para os bares de strip e latas de turka-cola; anda gente de mão dada, homens com homens, e garantem-me que não é por serem gays; em todo o lado há alguém a pescar, mulheres imcluídas; passam senhoras com óculos ray-ban a conversar com amigas cobertas por uma burka da cabeça aos pés...

É um sítio de enormes contrastes. E de trastes, também. No fundo, é como se este bocado da Turquia ainda estivesse a meio de um processo de reconversão num sítio moderno: o mais modernaço dos jovens mestiços vestido com um blusão de cabedal ainda cumprimenta o amigo com dois beijos na face, como manda a tradição, ao mesmo tempo que o convida a dar uma voltinha no seu novíssimo Dacia Logan. Até porque basta atravessar a ponte para o lado da Ásia para perceber que, do lado de lá, a Turquia é outra. De tal maneira que não existe água potável e quem tiver sede tem que comprar a um dos múltiplos representantes que vende um garrafaozito mediante encomenda pelo telemóvel. É fácil dar com os números deles: há uma placa pregada em cada poste da estrada. Por falar nisso, as estradas de asfalto normal acabam depois da ponte de saída da Europa e a picada com buracos passa a ser o piso típico. Não se vê uma única patrulha polícial nesta zona - ficaram todos em Istambul a ver o engarrafamento passar. É literalmente isso que fazem: ficam a ver. Não gesticulam, não apitam, não ajudam a fazer aquele caos movimentar-se mais depressa. Aliás, nem sequer abordam os carros mais estranhos que por eles se cruzam, porque andámos mais de 150 km com um carro sem matrícula e nenhum deles achou estranho.

Como se disse há pouco, Istambul é a cidade que não deixa ninguém dormir e muita da culpa é dos polícias. Na noite em que o ilustre visitante mais precisava de dormir, andava um turco com um megafone na praça Taksim a gritar qualquer coisa em turco, provavelmente insultos de morte aos gregos (aliás, eu percebi como os senhores do hotel colocaram, habilmente, a bandeira portuguesa ao lado da grega lá fora... acham que têm muita piadinha...). Como as construções turcas são irrepreensíveis e as paredes são reforçadas de forma sólida com o melhor papel vegetal que eu já vi, o estúpido do turco está a falar pelo megafone lá em baixo e eu oiço tudo no 11º andar como se ele estivesse na casa-de-banho. Mas haja esperança!, eis que lá em baixo se aproxima o carro da polisi turca, com os «pirilampos» ligados e tudo! Então, mas... pararam... espera lá!, por que raio é que eles não o mandam calar??!... os polícias ficam dentro do carro a uma respeitável distância de 10 metros e, eles próprios, usam o seu próprio megafone para o mandar calar. À falta de um, dois megafones para ninguém dormir. Segundo me explicaram depois, acho que os polisi têm receio que cada maluco seja um terrorista com explosivos amarrados à cintura (quem os pode censurar?), daí que não se aproximem, sob pena de poderem chegar a casa dentro de vários sacos-plásticos. Ou então não foi nada disso e o que me explicaram foi que o maluco era do Beşiktaş e os polícias do Fenerbahçe e apenas ficaram a trocar insultos. Sei lá, não percebia nada do que os turcos diziam. Porque o domínio da língua inglesa por parte de um turco é fascinante: entre um «rélou» e um «fóq-iu», não sabem mais nada. Nem andaram na escola tempo suficiente para aprender o «tânq-iu», tal a raridade com que o usavam.

Mas não deixa de ser impressionante a quantidade de vocábulos que sabem de português: um dos empregados do restaurante aproximou-se aos gritos «AAAHH CRISTIANO RONALDO!». Foi de tal modo expressivo que toda a gente achou que o Cristiano Ronaldo propriamente dito estava a jantar naquele restaurante, ainda por cima na nossa mesa (houve duas turcas que se levantaram e tudo...). Como receio de que «Cristiano Ronaldo» fosse uma qualquer espécie de ofensa em turco, resolvemos mostrar um ar ofendido e respondemos: «Hakan Şükür!!» (assim mesmo, com cedilhas e tudo). Mas afinal parece que não, o empregado turco estava apenas a mostrar que sabia falar português, e deu mais exemplos: «Luuísse... Figô»... e também «RRuí Costá»... e finalmente «Ricardó Cuarêsmá». Este último não espanta ninguém, os ciganos têm família em todo o lado e o Quaresma tem, provavelmente, uma costela turca. Bem vistas as coisas, os turcos têm afinal, todas as referências culturais importantes sobre Portugal. Apenas lhes falta aprender a dizer «o melhor português de sempre», mas «Salazar» é uma palavra complicada para um turco.

Há muitas diferenças entre turcos e portugueses e, neste aspecto, estou em crer que Deus foi simpático (resta saber com quem...). Quem se queixa do trânsito que há em Lisboa devia fazer um estágio de duas horas em Istambul. Quem se queixa da qualidade da saúde no nosso país devia ser obrigado a ir a uma urgência na Turquia... porque morria infectado só de ver o aspecto das urgências. Quem se queixa da higiene nos restaurantes de Portugal devia ir almoçar a uma tasquinha turca, porque lá a higiene... bom, ninguém sabe quem é essa gaja. Mas em muitos outros detalhes, os turcos são tal-e-qual os portugueses. Na capacidade de organização e logística, por exemplo. À chegada ao aeroporto havia, no mínimo, catorze indivíduos de casaco e gravata (de cores vermelhas) à espera da delegação portuguesa. Um deles segurava uma placa que dizia «Portugal». Outro, imediatamente ao lado deste, também. Aos pares é muito mais eficiente. Ao lado destes dois, mais dois rapazes de casaco vermelho. A missão deles é apontar para outros três colegas, eles sim vão ajudar-nos a perceber para onde vamos. Um deles diz qualquer coisa em turco e nós pedimos ao tradutor que ajude: «ele disse que vão ficar no melhor hotel de Istambul!». A sério?, perguntámos com entusiasmo. «Não», disse o tradutor. Numa coisa os turcos são iguaizinhos aos portugueses: têm a mania que têm piada. Ao fim de catorze turcos de casaco vermelho, aparece um turco de casaco preto. Ele tem a missão de nos arranjar o transfer para o hotel. Após sete minutos completamente perdido, aos gritos com toda a gente e em todas as direcções sem que alguém o tenha ajudado a descobrir o otocar que nos leva ao hotel, o turco de casaco preto ausenta-se por instantes e regressa, agora vestido com um casaco vermelho. A mensagem era bem clara: «eu tenho um casaco vermelho, sou igual aos outros todos, por isso não tenho responsabilidade nenhuma de vos arranjar um autocarro». Durante 25 minutos ninguém foi capaz de nos arranjar um transporte dali para fora...

Istambul é uma cidade que não sossega e é o cenário ideal para evidenciar um detalhe no qual os turcos são claramente superiores aos portugueses: no «desenrascanço». O otocar aventurou-se por umas ruas estreitas e, inevitavelmente, deu com um beco em que quatro carros mal estacionados impediam a sua progressão. Sem problema! Um ilustre cidadão que estava ali de esquina rapidamente sacou do bolso um apito (isso mesmo, qual Paulo Paraty) e desatou a assinalar penalties com todo o oxigénio que tinha nos pulmões. Em menos de dois minutos apareceu o dono do primeiro carro para o tirar dali e os restantes não demoraram mais do que cinco minutos. O homem do apito liderou toda a manobra a partir do exterior, no final da manobra sorriu e agradeceu a ovação dos passageiros, sem sequer ter pedido uma moedinha.

Quando a noite finalmente começa a acalmar e lá em baixo, na praça Taksim, apenas se escuta o ruído das oito máquinas de limpeza da rua trabalham no local, o Bósforo, no horizonte, começa a mostrar os primeiros raios de sol. E é nessa altura que o iman daquela região sobe à instalação sonora da mesquita, começando a cantar para se ouvir em toda a cidade e chamar todos os fiéis muçulmanos à primeira oração do dia. Não há quem durma em Istambul.

Friday, March 16, 2007

Pago 100 euros a quem lhe der com um globo no focinho. Ou com outra coisa pesada.

Cláudio Ramos tem um blog. Cláudio Ramos está nomeado para uma coisa chamada Globos de Ouro. Cláudio Ramos está nomeado para uma nova categoria "vilão", embora nessa categoria se destine, inicialmente, a elogiar o desempenho de um actor que represente personagens. Na verdade, até faz sentido, porque Cláudio Ramos é também um personagem. Dos maus. Mas é. Cláudio Ramos escreve coisas no seu blog. Cláudio Ramos escreveu no seu blog um incentivo para votarem nele nos Globos de Ouro. Cláudio Ramos tem a distinta lata de pedir que a malta VOTE NELE, para isso tendo a necessidade de FAZER UMA CHAMADA DE VALOR ACRESCENTADO. Cláudio Ramos quer à força ganhar um Globo de Ouro para poder subir ao palco e fazer um descurso em que vai dedicar o prémio ao Ped... ao amor da sua vida. Cláudio Ramos quer que a malta gaste dinheiro para que ele possa brilhar. Cláudio Ramos é parvo.

Wednesday, February 28, 2007

Mais vale morrer do que ir ao médico. Pelo menos devo ser atendido mais depressa...

A porta das urgências é daquelas que tem mola para um lado e para o outro. Isto é, tanto se pode empurrar de um lado como de outro, o que desde logo faz aumentar a probabilidade de haver mais potenciais «clientes» da própria urgência (imaginem só um choque frontal de macas empurradas freneticamente de um lado e de outro da porta!). Como se não bastasse, sendo uma urgência portuguesa, está sempre a abarrotar.

Ao lado da dupla porta de abrir para os dois lados há uma campainha. Ao lado da campainha está um papel que diz «para urgências toque a campainha e aguarde». Ou seja, se eu estiver todo partido, a esvair-me em sangue, prestes a entrar em paragem respiratória e a precisar de reanimação, tudo o que tenho a fazer é tocar a campainha. E aguardar. Pronto! Tanta procura, tanto dinheiro gasto em pesquisa e tanto prémio nobel mal entregue, quando a cura para todos os males está numa simples campainha! Basta tocar e aguardar, a estúpida da urgência resolve-se num instante!

Claro que, sendo uma urgência portuguesa, quaisquer quarenta-e-cinco minutos chegam para alguém vir atender à campainha...

No mesmo sítio da urgência fica o sítio das consultas. O que significa que a sala de espera é a mesma. O que, por sua vez, significa que uma criança com um terçolho, uma idosa com pedra na vesícula, um motociclista com uma perna ao peito e o nariz nas costas, uma senhora com uma bronco-pneumonia e um simples rapazola que vai a uma consulta para saber o que são umas borbulhas na cara, todos juntos, coabitam no mesmo espaço. Desde logo é um ambiente fantástico, nem uma rave com o melhor «xtc» proporcionaria uma trip melhor.

Em frente ao guichet estende-se uma fila de umas sete ou trinta-e-nove pessoas. A senhora que supostamente deveria atender, marcar as consultas e dar andamento ao assunto, conversa mais com as colegas do que com os doentes (faria se fossem «saudáveis»). Sempre que, finalmente, decide atender quem está à espera, aparece alguém a meter nojo que passa à frente de todos com a desculpa que «vai só fazer uma perguntinha». Quando finalmente chega a vez de quem está ali apenas por recomendação de um médico que, no alto da sua sabedoria, achou que o seu paciente deveria ser visto uma segunda vez e com maior atenção, a senhora diz:

- «Mas já marcou consulta?»
- «Não, mas o médico é que disse para eu vir e mostrar este papel assinado por ele»
- «Eu compreendo, mas ele ainda não chegou... entre ali e pergunte por ele»
...
...
...
- «Já perguntei por ele, dizem que ainda não chegou. O que faço?»
- «É melhor ir lá abaixo ao Piso-0 pedir que lhe marquem consulta aqui em cima»
- «E depois?»
- «Depois volta aqui para lhe marcarmos a consulta»
- «Então de que adianta ir lá abaixo?»
- (silêncio constrangido)
...
- «E depois volto para o fim da fila?»
- «S... sim...»
- «Ok, obrigado. Talvez o médico me veja ainda este século»

Depois admiram-se que as pessoas, na sua mais inocente credulidade, desejem que exista um Dr. Gregory House em cada hospital...

Wednesday, February 21, 2007

Exibicionismo, estupidez ou simples sinais de masoquismo?

Milhares de pessoas convergiram ontem até Estarreja para assistir ao Corso de Terça-feira. Nem chuva, nem frio, nem vento impediram que centenas de graúdos e miúdos desfilassem na Praça Francisco Barbosa durante mais de duas horas.

Bom. Para já, se foram «centenas», quer dizer que não foram «milhares». O que até me parece uma decisão sensata por parte dos «milhares» que decidiram não ir (pudera!, chuva, frio e vento são convites demasaido tentadores para ficar em casa na restomenga!). Mas o que é preocupante é que «centenas» decidiram, ainda assim, ir enfiar os miolos debaixo do mau tempo, o que me parece um extraordinário exemplo de masoquismo. Ou então, apenas parvoíce.

Pior que tudo, parece que entre as «centenas» havia miúdos e graúdo. Quanto aos graúdos, estou-me a borrifar, cada um tem o que merece. Quanto aos miúdos, coitados, tenho que lamentar porque eles, de facto, não têm possibilidade de escolha e fazem o que os papás lhes dizem. Tivessem ficado em casinha e talvez os papás tivessem que puxar pelas ideias para lhes arranjar uma festinha de carnaval menos atreita a gripes.

É que, felizmente, a profecia cumpriu-se: nesta espécie de Verão de São Martinho que todos os anos tentam inventar para o carnaval, não há bom tempo que lhes valha - está sempre um frio de rachar e chove a potes. Quem andou na rua segunda e terça-feira pôde, finalmente, na quarta-feira seguinte, voltar a protestar contra o fecho das urgências. Sobretudo porque, nesse dia especialmente, lhes fazia um jeito dos diabos um médico que lhes acudisse a gripe.

Sunday, February 18, 2007

Mais um enorme sucesso no carnaval de Torres Vedras: todos ficaram a ver as imagens do Rio de Janeiro pela TV

in JN, sexta-feira
A chuva que caiu, esta manhã, em Torres Vedras, levou ao cancelamento do tradicional desfile de Carnaval das crianças das escolas locais.
«Não há condições climatéricas para colocarmos as crianças na rua», explicou Carlos Bernardes, vice-presidente da autarquia, à Agência Lusa.
Muitas crianças viajaram das freguesias rurais de autocarro para a cidade mas acabaram por regressar às suas escolas. «Estivemos sempre em contacto com a transportadora para acautelar que as crianças não se molhassem mas como o mau tempo prosseguiu fomos obrigados a cancelar o desfile», acrescentou Carlos Bernardes.
O desfile das crianças mascaradas marca tradicionalmente o início do Carnaval de Torres Vedras. Este ano, as escolas confeccionaram os fatos e as máscaras tendo como inspiração o tema "povos de todo o mundo".

Acrescento eu: e não é que valeu mesmo a pena tanto trabalho?!

Saturday, February 17, 2007

O truque é respirar fundo, ler um livro, rir das exibições do Benfica... que quarta-feira chega num instante

E pronto.

Cá está mais um. Andam crianças por aí vestidas de homem-aranha, aperaltadas com o maior aprumo por parte dos pais, que por sua vez se mascaram com o melhor fato de treino que conseguem encontrar na gaveta de cima, tudo para esse passeio de fim-de-semana ao Feira Nova. Hoje já vi de tudo: crianças vestidas de fadas, coelhos, bruxas, floribellas, morangos com açúcar amarelo, batmans, borboletas, esquimós, zorros, serventes de pedreiros, empregadas da limpeza, um palhaço mascarado de pessoa normal, um careca de fato e gravata que parecia mesmo caixa de um banco, uma freira que parecia mesmo um pinguim, uma loira de salto alto que parecia mesmo prostituta e um rapaz com o cabelo encaracolado e mais crescido do lado de trás, assim a cair sobre os ombros, que parecia mesmo um jogador de futebol. Ah, esperem, afinal era mesmo jogador de futebol. Bom, mas todos os outros eram disfarces perfeitos.

Esta tradição genuína e tipicamente portuguesa já chegou. Aliás, ainda eu estava a recuperar da ressaca do ano novo e o carnaval já andava a querer saltar-me para a frente dos olhos através das sempre versáteis montras das lojas. Pois parece que é este fim-de-semana que é o carnaval, esse altíssimo momento do calendário que está enraizado na cultura portuguesa há, pelo menos, 17 anos. Talvez mesmo 18, os historiadores não se entendem muito bem. *

* a propósito disto, lembrei-me de uma coisa: parece que aquela noção que temos dos Açores, desde o tempo da escola, não é bem verdade. Aprendemos que os Açores se chamam Açores por causa desse pássaro chamado açor que havia nos Açores quando os Açores foram descobertos. Ora diz um historiador que, afinal, nunca houve açores nos Açores (e parece que os biólogos confirmam). Parece que os gajos que acompanhavam o Gonçalo Velho Cabral, o tipo que descobriu o arquipélago (quer dizer, aqui também não há consenso, há quem diga que foi o Diogo de Silves), não eram lá muito espertos nem sabiam distinguir um falcão de uma barracuda, daí terem chamado açores a um bando de milhafres mais subnutridos que a águia do Benfica. Mas há outro historiador que diz que isso é tudo treta e que os Açores se chamam Açores porque o tal do Gonçalo Velho Cabral era de uma terra beirã que se chamava Açor, daí ele ter achado que era um bom nome para aquele grupo de ilhas. E depois apareceu o Zé Hermano Saraiva que, para ser do contra, resolveu defender a teoria que a tripulação do Velho Cabral era formada por italianos que, ao chegar a Sta. Maria, vendo um dia de sol tão bonito e céu azul (absolutamente típico, sem dúvida!), disseram a plenos pulmões «AH!, Azzurri!»... que tem tudo a ver com «Açores», claro! Bom, desculpem-me esta trapalhada, mas não sei em quem acreditar. Para mim os Açores chamam-se Açores porque sim.

Onde é que eu ia?... Ah!

A ideia de celebrar o carnaval em Portugal tem tanto de parva como de estúpida. Ou seja, é verdadeiramente parva e estúpida, daí que possa considerar-se ser uma das poucas instituições em Portugal a conjugar esses dois epítetos, juntamente com o comentador desportivo Rui Santos (que ainda junta mais dois atributos, ser feio e bimbo), o apresentador da Praça da Alegria, Hélder Reis, e o seu congénere Carlos Dias da Silva. À Odete Santos falta-lhe ser parva para estar neste grupo. Ao Santana Lopes falta-lhe ser estúpido (por convicção). O João Kléber não é português, por isso não conta.

Ainda cheguei a pensar converter-me, este ano, ao grupo dos imensos foliões que celebram de forma entusiástica, de norte a sul do país, esse sagrado momento que é o carnaval. Três segundos depois, deixei de pensar nisso. E então fiquei preocupado, porque vou voltar a ter que passar por isto tudo, cruzar-me com gente mascarada e pessoas que não estão mas parecem, voltar a ver crianças enfeitadas da cabeça aos pés e ter que ver, constantemente, pseudo-reportagens televisivas sobre o sucesso que está a ser o carnaval de Ovar, com as 47 pessoas que estão a assistir na rua, ao vivo, ao «corso», debaixo de uma saraivada de canivetes e de um frio de rachar. *

* Ovar parece-me um sítio parvo para se fazer um carnaval. Mais parvo do que qualquer outro, quero dizer. A não ser que se mantenha a tradição de mandar ovos à cabeça da malta. Então «ovar» passa a ser outro sentido completamente diferente e totalmente ajustado.

Para este ano arranjei um truque: ver uns filmes de guerra, um drama francês sem princípio meio ou fim, um filme de animação e uma reprodução autobiográfica do Almodovar e, para fechar o fim-de-semana, uma comédia de rir às gargalhadas (parece que o Benfica vai jogar à Madeira). Assim mantenho-me longe dessa tragédia que é o carnaval.

Portugal é aquele país onde os culpados nunca são castigados, os pedófilos nunca são condenados, os corruptos fogem sempre, os ricos são cada vez mais ricos, o Alberto João Jardim cada vez mais ignóbil, o país em que as pontes caem e os comboios resvalam para o rio sem haver culpados, os radares são instalados nas cidades mas a maior parte das multas são por excesso de álcool e ausência de carta, o país onde uma menina que faz serviços alternativos escreve um livro best-seller, o país em que os presidentes de câmara fazem todo o tipo de negócios imobiliários em proveito próprio, sem nunca serem punidos, o país em que a banca nos tem agarrados pelos tomates e ainda se queixa que tem que pagar muitos impostos, o país onde o preço dos combustíveis sobe enquanto nos outros desce, o país em que no Verão há incêndios e no Inverno há cheias, o país em que os jogadores de futebol querem ficar isentos de obrigações fiscais, o país onde um director de um jornal escreve um texto a elogiar uma vintena de empresas portuguesas pelo seu empreendorismo e capacidade de investir em negócios no estrangeiro, esquecendo que parte delas nem cumpre as suas obrigações fiscais em Portugal... o país em que quase crucificavam um antigo-primeiro-ministro-hoje-presidente-da-república porque sugeriu que o carnaval - que raio! - não tinha nada que ser um feriado.

Nem tudo são tristezas, nem tudo é fado. Pelo menos fico imensamente feliz por saber que Cláudio Ramos recebeu o diploma de «Excelente Comunicador», emitido pela «Mundial Casa», empresa que comercializa produtos como o Vaporetto Titano. Haja qualquer coisa que nos orgulhe, catano!

P.S. - acabei de ver umas imagens do carnaval de Torres Vedras. Maravilhoso. Espectáculo fascinante. Estrondosa mistura de culturas tão diferentes: de um lado, os visitantes, com os seus blusões apertados até ao pescoço por causa do frio; do outro lado, as brasileiras a abanicar as pernas para mantê-las aquecidas, aproveitando para ganhar uns trocos só a dar ao rabo (atenção, eu disse dar «AO» rabo, sem confusões).

Tuesday, January 30, 2007

Não sei onde fica o Inferno, mas suspeito que é em Atenas...

Não faço ideia onde fica o Inferno. Já tentei saber junto de algumas pessoas que faleceram, mas não obtive resposta. Já li sobre o assunto, mas não fiquei esclarecido. Parece que os pensadores, filósofos, teólogos e autores de livros também não se conseguem entender sobre a localização ou o tipo de acolhimento no Inferno: há uns que acham que é um pequeno spa com o qual os mortos se cruzam apenas de passagem, queixando-se obviamente da temperatura da água, que está demasiado elevada; outros acreditam que é todo um aglomerado de cavernas e masmorras nas profundezas do Universo, onde se sofre como o raio, não se come nada de jeito, faz um calor dos diabos (no verdadeiro sentido da expressão «um calor dos diabos») e onde os demónios são bichos ruins que destratam os mortos, vergastando-os com paus e fisgas; e há também quem acredite que o inferno tem sete portões, um para cada tipo de morto, dependendo da quantidade de travessuras que cometeram em vida, do estilo:

- “portão 1, indivíduos que nunca acharam piada aos anúncios do Ecoponto”
- “portão 2, indivíduos que em toda a sua vida nunca aprenderam a dizer correctamente as palavras ‘parteleira’, ‘númaro’, ‘curássant com creme’ ou ‘standér de automóveis’
- “portão 3, indivíduos que já foram sócios do S.L. Benfica”
- “portão 4, indivíduos que deram dinheiro para assistir a pelo menos uma encenação do Filipe La Féria”
- “portão 5, indivíduos que pertenceram a bandas de música que tivessem incluído as palavras ‘Roxette’, ‘Scorpions’ ou ‘Quinta do Bill’”
- “portão 6, indivíduos que começam as frases com a expressão «é assim...»
- “portão 7, advogados, primeiros-ministros, presidentes de câmaras, actores da Floribella, presidentes de clubes de futebol, comentadores políticos da TVI, funcionários das finanças, violadores, assassinos, espanhóis e outros escroques do género”

Seja como for, faltam explicações, minha gente. Ainda ninguém provou onde fica esse tal de Inferno e como se faz para lá chegar: vira-se à direita ou à esquerda em Fernão Ferro? E afinal, para que é que ele serve, se as pessoas quando lá chegam já estão mortas?

Não faço ideia onde fica o Inferno, mas suspeito que fica na Grécia. Não faço ideia porque chamam “Inferno” ao “Inferno”, porque o verdadeiro nome do “Inferno” devia ser “Atenas”. É o único sítio do mundo inteiro – e olhem que eu conheço quase o mundo inteiro, falta-me apenas a ilha melanésica de Vanuatu e a Trafaria – que eu acredito que seja pior que o Inferno, mesmo nunca lá tendo estado (no Inferno).

As placas que indicam as direcções estão escritas em duas línguas: em língua de cão, aquela que tem os caracteres indecifráveis mas que tem uma oralidade minimamente parecida à de um catalão ofendido; e em linguagem ocidental, o que ainda assim não serve para nada, porque mesmo a tradução é incompreensível. As ruas parecem Bagdad antes de um bombardeamento, mas para pior, porque no Iraque pelo menos os bombardeamentos sempre contribuem para limpar algum do lixo do chão. Quanto às placas de trânsito, não tenho dúvidas, foram mesmo directamente importadas de Bagdad: não há uma que não tenha buracos feitos por um calibre 9mm ou mesmo por um zagalote de caçadeira de canos cerrados.

O trânsito de Atenas faz os passageiros frequentes do IC19 corar de vergonha de todas as vezes que lembram as queixas sobre a demora nas filas. Entrar numa das avenidas do centro de Atenas por uma das perpendiculares leva o mesmo tempo que ir de Gaia ao Estádio do Dragão, via Ponte da Arrábida. Às oito da manhã. As vias principais até são grandes, assim tipo a largura da Avenida da Boavista, ainda que com um comprimento sete vezes maior. Há vários cruzamentos pelo meio, quase todos eles com sinais de trânsito que proíbem a inversão de marcha. Pois em quase todos eles há gregos a fazer inversão de marcha. Únicos cruzamentos onde ninguém faz inversão de marcha: aqueles em que, de facto, é permitido fazer inversão de marcha.

Os gregos não gostam lá muito de matrículas. Cruzei-me com, pelo menos, uns 70 que andavam sem matrícula atrás, uns 190 que andavam sem matrícula à frente, e até com um que não tinha nem atrás nem à frente. Vi um Smart sem matrícula, que transportava um cão atrás dos bancos, naquela amostra de porta-bagagens.

De todos os lados aparecem motos. Nascem das ruas pequenas, dos passeios, dos cruzamentos, de dentro de casas e garagens. Aparecem de todos os lados, como moscas em volta de uma sardinhada. Sou tentado a pensar que as motos, em Atenas, não têm travões. Deve ser um extra. De todos os gregos que vi em cima de uma moto, e eram quase tantos como os japoneses que visitavam a Acrópole, nenhum usava o travão. Nem mesmo na iminência de serem esmagados no meio de dois carros que trocavam de faixa. De todos os motociclistas que vi, praí uns três ou dezassete mil, só quatro usavam capacete: um para proteger o cotovelo, dois para proteger o pendura, e outro que, de facto, usava o capacete na cabeça, mas afinal era um alemão. Anda tudo sem capacete, calma e descontraidamente, sem medo de ter um acidente numa cidade em que o trânsito é tão sossegadinho (porque, na verdade, não anda nem para a frente nem para trás). E sem medo dos polícias, porque de facto é proibido andar sem capacete em Atenas. Mas não se nota. Os polícias, gente simpática, estão impecavelmente fardados e até têm luvas brancas. Não vi um deles que fosse a multar motociclistas por andarem sem capacete. Nem mesmo quando, em frente a um polícia que tentava mandar avançar o trânsito num cruzamento, uma moto de cross e uma scooter quase chocaram de frente.

Por acaso até assisti a um choque: um furgão e uma carrinha de caixa aberta. Num cruzamento, claro. 394 automóveis tentavam avançar e aí uns 792 tentavam fazer inversão de marcha. Do outro lado, um enxame de motos tentava cruzar a via da esquerda para a direita. O furgão e a carrinha de caixa aberta tocaram-se, frente com flanco, e os condutores começaram a discutir. Como tenho uma certa dificuldade em entender essa língua de gregório… perdão, de grego, fiz como os ingleses me ensinaram e comecei a tentar decifrar a amena cavaqueira de ambos pela body language. O resultado foi este:

- “Tira daí o camião, ó palhaço!”
- “Eu já cá estava quando chegaste aqui e palhaço és tu, ó arraçado de Karagounis!”
- “É é… deves ser do Panathinaikos, com esse mau feitio!”
- “Por acaso sou do Olympiakos!”
- “Olha, tem graça, eu também sou!”
- “E aquele jogão de ontem, hã?! Somos os maiores!”
- “Este ano vamos ser campeões da Europa, pá!”
- “Isso já fomos! Aviámos os portugueses!”
- “Vá, baza daí e deixa-me passar. Até um dia destes!”
- “Tchau! Porta-te bem!”


E foi isto.

Fiquei com a ideia que os gregos, especialmente os de Atenas, são uns saudosistas. Passam a vida a lembrar feitos históricos do passado: os primeiros Jogos Olímpicos, a tomada de Tróia a bordo do ferry-boat, ou melhor, a bordo do cavalo, os primeiros teatros, os grandes filósofos, a conquista do Euro-2004, o início das obras no Partenon (em 1983)… A certa altura, numa fila de trânsito – uma das mais pequenas, tinha apenas uns 17 quilómetros de extensão – há um grego que sai do carro dele e dirige-se para o carro de trás (convém esclarecer que o carro de trás era aquele em que eu estava). Bate na janela do condutor que, complacente, baixa o vidro. Ele pergunta qualquer coisa em grego, do género:

- “Sabes como é que se vai para a ilha de Creta, virando à esquerda em Fernão Ferro?”
Ao que o condutor responde:
- “Sorry. Don’t speek greek.”
E o grego:
- “Ah… no greek… ‘oquéi’… where are you from?”
E nós:
- “Portugal.”
E o estúpido:
-“Ahhh… ‘Portugaló’!... You remember… euro-2004?”
E nós:
- “E se fosses apanhar no…?”

Visitar os pontos históricos de Atenas tem a sua piada, até porque não consta que haja um monumento de homenagem à conquista do Euro-2004 (se houvesse, talvez fosse a estátua de um brasileiro de bigode sentado num tarolo). Subir ao alto da Acrópole, afinal, não custa nada (qualquer Bom Jesus enfia aquela subida num chinelo) e aquilo lá em cima até tem piada. Os gregos sempre foram rapazes extremamente evoluídos: demoraram anos e anos e anos (e mais anos e anos) para construir essa obra fabulosa que é o Partenon e estão a demorar anos e ainda mais anos para acabarem com as obras de restauro. Mas sempre andaram claramente à frente do seu tempo: mesmo construído no Século-V a.C., o Partenon apresenta uma interessante colecção de sofisticados andaimes de ligas metálicas modernas. Espalhada pelo recinto histórico está uma série de pedras com gravuras em relevo, todas elas vedadas para ninguém lhes tocar. São pedras que foram restauradas e pertencem aos monumentos, só que ninguém sabe a que parte. É tipo puzzle: hão-de caber num sítio qualquer, logo se vê. Lá para o ano 2047 pensa-se nisso.

Até há um museu lá em cima, onde estão expostas peças de arte recuperadas do interior dos monumentos da Acrópole, gravuras incompletas (todas em mármore roubado às ilhas do Mediterrâneo) que os gregos dos tempos modernos não conseguiram gamar na totalidade. Em cada canto do museu há uma estátua de um grego com a pila à mostra. Do lado oposto, há mais estátuas, desta feita gregas vestidas com fardas modernas e sentadas em pequenos banquinhos. Ah… afinal não são estátuas. São gregas a sério e estão vivas, pese embora as únicas partes do corpo que mexem sejam os maxilares, os lábios, o bigode e a língua, para gritarem “no flash!” à malta que ignorou aquela advertência à entrada do museu que dizia… “não tire fotos com flash”. É que ninguém obedecia, se calhar porque o aviso estava em grego. Emprego estimulante, esse de empregada de museu. Imagino-as a chegar a casa, à noite, lá pelas 23h, depois de terem saído do trabalho às cinco da tarde e de terem apanhado um pouquinho de trânsito, à mesa com o grego que as comprou, perdão, que casou com elas:

- “Bem, Alexandrinis, nem imaginas o meu dia hoje”
- “Então que tal?”
- “Tive que dizer ‘no flash!’ trinta e quatro vezes, foi extenuante!”
- “Hum-hum… passa aí a pita shoarma, ó fáxavôr…”


Dizem que uma das coisas mais bonitas da Acrópole é a vista que se tem sobre a cidade de Atenas. Confesso que tenho alguma dificuldade em entender o que há de “bonito” numa cidade que se estende a perder de vista, com um aglomerado de construção 85 vezes pior do que a Fonte da Telha (numa área útil quase igual), e com uma nuvem de poluição a pairar sobre as casas, mais castanha que um dia de São Martinho. Algures lá pelo centro da cidade, mais ou menos naquela zona em que se vê a estrutura do Estádio Olímpico (o novo, aquele mamarracho que só serviu praticamente para os Jogos Olímpicos de 2004), há uma interessante mistura cultural: entre um prédio mais moderno, um hotel e uma embaixada, há sempre uma mesquita de inspiração ortodoxa, quase todas elas com aspecto mais abandonado que o Túnel do Rossio.

O melhor de Atenas, para mim, é a pista de onde os aviões levantam voo dali para fora. Fiquei com uma ideia razoável do hotel onde fiquei, uma construção moderna e feita muito com orientação de design. Até gostei do hotel. Talvez porque era fora da cidade. E porque até se chega lá rapidinho: hora e meia (de carro) desde o centro até lá, um percurso de uns três quilómetros.

Tuesday, January 23, 2007

Carlos Castro: clone, guru, musa inspiradora ou simplesmente padrinho?

Carlos Castro é aquele. Sim, esse mesmo. Trejeitos amaricados, voz de quem se vai despedaçar em cacos ao mais leve encontrão do Marcantonio del Carlo, crítica social e travestis. Calma, não é confusão nenhuma. É mesmo de Carlos Castro que estou a falar, não de Cláudio Ramos.

A questão é que, um e outro, não sendo a mesma pessoa - Castro tem a sua proveta... perdão, provecta idade, Ramos tem quase a mesma mas fez plásticas, incluindo uma mamoplastia de aumento que não foi bem sucedida... mas ele há-de voltar a tentar - são pelo menos bem clonados um a partir do outro. Ramos clonado a partir de Castro, bem entendido. Carlos Castro, com a sua enorme experiência na criação de seres idênticos a si por força das múltiplas encenações da Gala dos Travestis, resolveu dar um passo em diante: ele foi o Ian Wilmut que criou a sua Dolly, a ovelha sendo Cláudio Ramos, claro.

Simplificando: Carlos Castro tem em Cláudio Ramos o seu mais perfeito afilhado, o seu infante, o seu escudeiro, o filho que nunca vai ter, o protótipo de tudo aquilo que gostava de ser. A língua-comprida que ele não pode ter, porque a idade não perdoa e, se chamasse pelos nomes todos quanto critica nas suas colunas sociais, um destes dias levaria um ensaio de porrada tão grande que nem para dar aos porcos serviria. (A propósito, já repararam que, nas crónicas de jet set de Carlos Castro, os elogiados são sempre chamados pelos nomes, e os criticados são sempre mencionados por indirectas e nunca pelos nomes? Esclarecedor sobre coluna vertebral, não?)

Pois parece (parece, porque eu não sei, só ouvi dizer) que Carlos Castro resolveu, numa das suas crónicas do jornal 24 Horas, desancar de alto a baixo o espectáculo recente do Bruno Nogueira. Parece que o Nogueira se refere a ele durante o espectáculo. Parece que Castro não grama dessas intimidades. E vai daí responde-lhe, tipo escândalo de varina ofendida, mas através do 24 Horas. Fino. Finíssimo, diria. É que até se dá ao luxo de admitir que não viu o espectáculo, mas mesmo assim critica. Porque ele teve lá uns amigos que contaram como foi baixo nível e, !credo!, um horror, uma coisa sem gosto. Não sabem do que falo? Então entendam isto melhor graças ao blog amigo.

Eu não conheço Carlos Castro. Mas disseram-me que ele é um grande maricas. Gosta pouco que o estreotipem por causa das preferências sexuais, mas é o primeiro a usar a crítica pessoal e reles (vide as citaçoes «aquela coisa comprida e magra, com uma cabeça esquisista» e «quanto à obsessão que tem por mim, sobre a sexualidade nojenta que expõe, está descansado que não faz o meu género») e a usar da bicheza para reagir como uma Madalena de orgulho ferido.

Também não conheço o Bruno Nogueira. Mas pelo menos há que admirar aquele cabelo de maluco.

Saturday, January 20, 2007

Se é Deus que cria as coisas mais belas da vida, onde estava com a cabeça quando criou Cláudio Ramos?

Estaria bêbado? Ou estava apenas aborrecido connosco (sim, com nós todos) por lhe andarmos a estragar o planeta que criou com tanto amor e carinho? Se Deus criou as coisas mais belas que há, então porque é que criou as mais horripilantes também? E, pior ainda, por que razão resolveu criar Cláudio Ramos? Talvez tenha sido uma experiência que lhe correu mal, tipo Frankenstein... mas pelo menos esse monstro serviu para se escreverem livros e fazer filmes. Cláudio Ramos bem queria saber escrever e que fizessem filmes sobre ele, mas o César Monteiro já morreu. E só ele seria capaz de repetir a proeza de fazer um filme sobre nada.

Cláudio Ramos teve um blog. Ou tem, ainda não percebi bem. Bom, se calhar ainda tem, mas não lhe apetece mais. Ou anda demasiado ocupado, que isto de falar dos outros profissionalmente é coisa que ocupa tempo. Nesse blog Cláudio Ramos escrevia tanta coisa boa, mas tanta coisa boa, que não resisto a trazer-lhes aqui algumas pérolas.

«Escrever é sempre um risco. Porque nunca sabemos muito bem quem vai ler, como vai avaliar o que escrevemos e o mais complicado de tudo, é que por vezes nos mostramos demais, sem ter a certeza se vale realmente a pena...»

Não deixa de ser curioso constatar que Cláudio Ramos vive preocupado com o que possam pensar dele. Tem medo de se expor demais e de ser 'avaliado' por causa disso. O que, de facto, é totalmente o oposto do que ele próprio faz para ganhar a vida (bom, apenas uma das coisas que faz para ganhar a vida, vá). Cláudio Ramos é pago para falar (mal) dos outros. Suspeito, até, que é pago para falar (mal) dos outros exactamente com aquele jeito efeminado com que apresenta o novo trem de cozinha IdeiaCasa. Fez disso profissão e não parece nada preocupado com o facto de avaliar os outros, o que eles fazem e dizem, nem parece preocupar-se que essas pessoas se mostrem de mais. Tem a certeza que vale, realmente, a pena.

«Eu sei que faço crónicas para a tv7Dias, escrevo contos na Men's Healts, entrevistas na Zapping Tv Cabo e ainda tenho o descaramente de estar no meu segundo romance...»

Isto está assim mesmo, hipsis-verbis, no blog da adamada criatura. É natural, portanto, que Cláudio Ramos tenha receio de ser avaliado pelo que escreve. Porque, também nisso, é uma nulidade. Escreve «tv7Dias» apenas com o «D» maiúsculo, não sabe escrever «Men's Health» (é porque «Men's Healts» é mais parecido com o que se diz na oralidade...) e ainda tem o «descaramente» de publicar estas coisas. Gralhas todos damos, meus caros. Mas para quem estava tão preocupado com a reacção dos outros, é deveras preocupante. Sobretudo tendo em conta que Cláudio Ramos escreve... romances.

«Tenho amigos, uma mulher de sonho, familia como toda a gente, mas falta-me a coragem»

Bom... a ver se nos entendemos, Cláudio Ramos. Tem amigos? E fala mal deles gratuitamente? Ou também lhe pagam para isso? E se tem uma mulher de sonho, por que raio a largou para ir viver com o homem com quem sempre andou metido? E por que razão se aventurou a meter-se com uma mulher, se na verdade sempre gostou de homens? E se lhe falta coragem, por que raio passa a vida a dizer que é um indivíduo cheio de coragem? E porque é que o Nuno Eiró existe? (ok, não vem muito ao caso. Mas de repente lembrei-me que esse tal Eiró é um ser quase tão repelente quanto o Ramos e que, no dia em que o criou, Deus estava com um ataque de humor negro terrível).

«(...) como alguém disse a "coragem é a arte de sentir medo, sem que ninguém perceba"»


Hum... é uma citação reveladora. Não por ser especialmente brilhante, mas porque Cláudio Ramos tem o cuidado de não revelar o autor. Talvez porque ouviu esta citação... numa telenovela. Não leu numa grande obra do século XX, não leu em nenhum livro de citações, nem sequer se deu ao trabalho de pesquisar uma citação melhor na internet. Ouviu-a numa telenovela chamada «Laços de Família» e isso marcou-o. Profundamente. Aliás, toda a trama da novela, com o cancro de Camila e a gravidez tardia de Helena, marcaram de forma decisiva Cláudio Ramos, que lacrimejou dias a fio por causa disso e se sentiu inspirado a escrever dois romances. E dois posts com a mesma citação - sim, porque há um post intitulado, precisamente, «Coragem. O que é?» que versa a mesma frase.

«Bem vindos, Cláudio»

É o que está escrito a fechar o mesmo texto. Não se percebe bem porquê, mas é o que lá está. Presumo que sirva para Cláudio Ramos dar as boas-vindas a quem visita o seu blog. Mas está errado em todos os sentidos. Primeiro, porque diz «bem-vindos» (e sem hífen). Ora, «bem-vindos» pressupõe que haja duas ou mais pessoas a olhar para o mesmo ecrã, ao mesmo tempo. Ou então, vá, gémeos siameses, em que um não pode estar a olhar sem que o outro esteja também. Mas depois do plural «bem-vindos», vem o singular «Cláudio». O que dá a bonita frase «bem-vindos, Cláudio», um erro gramatical e semântico em toda a linha.

Tudo isto pode ser visto em http://claudio.ramos.na.tv/ ou, como singelamente se intitula o raio do blog, na.tv.com

Está quase em branco, porque Cláudio Ramos deve ter-se cansado das críticas que lhe foram fazendo ao longo do tempo. Irónico, não?

P.S. - Cláudio Ramos tem um outro blog, que actualiza quando não está menstruado. Chama-se http://euclaudio.blogspot.com

P.S.2 - peço desculpa pelo teor chocante da foto. Havia outras e não era necessário ter escolhido esta, tão erótica. Peço desculpa.

Tuesday, January 16, 2007

De Espanha, nem bom vento, nem boa educação

Os espanhóis devem ser os mais mal-educados do mundo. Mais mal-educados do que os gregos, que apesar de tudo são uns mal-educados que se compreende, porque ser grego já é mau que chegue e viver na Grécia deve dar uma azia terrível. Os espanhóis conseguem, inclusivamente, ser mais mal-educados do que os portugueses. Algo que não deixa de ser notável, tendo em conta que a má-educação está no código genético dos portugueses, mais ou menos na mesma zona em que se encontram os genes que identificam desde logo um verdadeiro português, como o bigode, a incapacidade para conduzir, a faculdade de arrotar altíssimo, o galo de Barcelos e o chico-espertismo. Se bem que, diz-se, o galo de Barcelos é capaz de não ser genético, mas ainda ninguém provou o contrário.

Os espanhóis não têm nada disto no sangue, são mal-educados por convicção. Não espanta, porque os espanhóis, na verdade, não têm identidade nenuhma. Vivem num país estraçalhado por um provincianismo gigantesco - os catalães gostavam de ser independentes, os bascos gostavam de ser franceses, os andaluzes gostavam de ser africanos, os castelhanos e navarrenses não têm vontade própria e os galegos, no fundo, são portugueses, só que ainda não descobriram - falam várias línguas diferentes dentro do mesmo país, julgam-se uma espécie de Estados Unidos da Europa (mas em bom) e ainda se dão ao luxo de ter umas ilhas plantadas no meio do Mediterrâneo e no Atlântico, ilhas essas que só são espanholas para receber os subsídios do governo central. E nem nisso são originais, porque o Beto João já se lembrou disse há muito mais tempo na sua quinta madeirense.

Os espanhóis são tão mal-educados que até roubam terras aos outros só para mostrar a sua falta de educação. Ficaram com Ceuta para mostrar aos africanos que, no fundo, África é espanhola, e ficaram com Olivença para mostrar aos portugueses que, no fundo, são os espanhóis que mandam... em Olivença.

São deselegantes e demodées. Já não se usa ter um rei. Só se for um «Rei dos Frangos da Guia», como há no Algarve, ou um «Rei dos electrodomésticos», como o de Gondomar. Isso sim é que sao reis! Agora um rei do tipo «a família real»? Ridículo... É que, ainda por cima, não só não é original, como já nem entretém: o rei de Espanha não diz barbaridades em público, não é gordo, não tem aspecto de desenho animado, a família dele é extremamente aborrecida e previsível. Uma das filhas casou com um jogador de andebol que era da Catalunha, mas tinha nome húngaro. O filho mais velho andou uma data de anos armado em solteirão, a imitar aquele rapaz dos óculos do Mónaco, mas nem sequer se deixava apanhar numa aventurazinha com uma stripper ou com uma top model ou com uma cabeleireira do Cacém, nada. Enfadonho. Depois casou com uma espanhola totalmente desinteressante e praticamente sem defeitos. E já têm duas filhas. Absolutamente aborrecido. Não consta que ninguém da família real se embebede forte e feio nas festas sociais, como faz (e muito bem) aquele Ernesto de Hannover que sacou a Carolina do Mónaco, o tal que faz xixi no mar Mediterrâneo... da proa do barco. Não consta nenhuma das filhas do rei tenha decidido ir viver para uma roullote com um artista de circo, nem que tenha decidido pôr uma filha bebé a fazer números arriscados com elefantes. Não consta que nenhuma filha do rei de Espanha tenha decidido gravar um disco, como fez a Estefânia. E isto, meus amigos, é extremamente boring. Não tem pontinha de sal.

Mas os espanhóis gostam de dizer que têm muito sal. Chamam-lhe «salero». Mas não têm nenhum. A única espanhola que tem sal, e por vezes chega ao patamar «muito sal», é a paella. Essa sim, é uma espanhola e tanto. De resto, os espanhóis são saloios, bimbos e, não sei se já tinha dito, são mal-educados.

Sentei-me à mesa e, à direita, calhou-me um espanhol. Pequenino, com uma barba farta, óculos grossíssimos, só não era um dos sete anões porque, segundo confirmei, nenhum dos sete anões sabe falar espanhol. Estão a pensar contratar um oitavo que saiba, para fazerem uma digressão pelo Mercosur, mas para já mantêm-se os sete. Perante o espectro de ter que «trocar impressões» com o mini-espanhol barbudo, que desde o instante em que me sentei até ao momento em que toquei pela primeira vez no guardanapo, disse joder! sete vezes, preferi falar com o companheiro português que estava à minha esquerda, que ainda por cima é bom rapaz e do Benfica.

Mas o sacana do espanhol mal-educado não demorou até interromper e meter conversa, ainda por cima agarrando-me com violência no braço, como se me conhecesse há aos. Aliás, nem quem me conhece há anos me agarra assim no braço, porque só me dou com gente educada. Agarrou, falou para a mesa toda debruçado em cima de mim, gritou, comeu com as mãos, disse joder! e óstia! mais 44 vezes, comeu o meu pão, cuspiu-me com perdigotos e fez trinta por uma linha. Até me deu uma palmada no ombro (coisa que até agora me está a traumatizar a ponto de pensar meter baixa por invalidez...). Depois apareceu um rapazito inglês, muito simpático, que esteve por ali uns minutos a conversar, na maior das calmas. O mini-espanhol, calado que nem uma cotovia afónica. Quando o rapazito inglês se foi embora, o gnomo castelhano perguntou: «o que foi que ele disse?». É que os espanhóis só sabem falar espanhol e, mesmo assim, com alguma dificuldade.

Depois apareceu o Fernando Alonso. Os espanhóis, numa ridícula demonstração de subserviência, abraçaram-no, bateram palmas, ajoelharam-se aos pés dele. Não deixaram ninguém falar com ele. E quando ele se foi embora, o espanhol-miniatura perguntou: «querem que vos diga o que ele disse?». Não obrigado, solomillo barbudo. Nós, pelo menos, esforçamo-nos para perceber o que os outros dizem. Mesmo sendo em espanhol.

Por fim, levantou-se da mesa e disse «esperem aqui um instante, que eu vou trazer o Fernando Alonso aqui para tirar umas fotos com ele na nossa mesa». Escusado será dizer que nunca mais apareceu. Ou se calhar apareceu, mas não estava lá nenhum português à espera dele.

O pior da Espanha são os espanhóis. Podiam ser alguma coisa de jeito, convencem-se que, de facto, sao alguma coisa de jeito, mas não são. E é uma pena, na verdade. Porque, se pudesse, era em Espanha que eu vivia. E aqui mesmo, nesta cidade.

Valência, Espanha, 16/01/2007

Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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