Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Monday, November 05, 2007

Visby: um sítio onde, na verdade, não se passa rigorosamente nada

Visby é uma cidade perdida no meio do nada e fica próxima de lugar nenhum. A cidade em si foi fundada no Século X, na altura como capital da ilha báltica de Gotland, mas desde então até cá parecem ter passado apenas três meses, porque, ao que parece, está tudo na mesma. As casas estão tão velhas que o musgo e a podridão se recusam a apoderar-se delas. Não se vê viv’alma nas ruas, talvez porque está a chover como o raio e quem andar cá fora só pode ser maluco. Ou parvo. Há estradas que entram e saem de florestas sem que se veja uma única habitação, mas caixas de correio crescem na beira da estrada como cogumelos. O ambiente é dramaticamente medieval e a qualquer altura esperamos ver aparecer de uma viela estreita um cavaleiro de armadura, montado no seu cavalo raquítico e de lança em riste. A UNESCO resolveu classificar Visby como património da Humanidade, mas se há coisa que não se vê por aqui é sinal da vida humana.

A própria ilha de Gotland é um deserto. Só que sem areia (pudera, com tanta chuva e neve!). Gotland é território sueco e Visby quer dizer «sítio do sacrifício». Não sei por que motivo, mas desconfio que é por ser uma verdadeira provação ter que viver num sítio assim. Para evitar que a malta quisesse fugir dali, certamente por não ser o sítio mais animado do reino da coroa sueca, os antigos donos da cidade mandaram construir um muro a toda a volta, conhecido por «Ringmuren», uma estrutura em pedra que tem quase três quilómetros e meio de extensão e que ainda hoje existe, não vá algum visbyense maluco desatar a querer pirar-se dali para fora.

A malta daqui não é especialmente simpática. Primeiro porque fazem-se quilómetros e quilómetros sem se ver ninguém. E quando finalmente chegamos a um lugar onde se pode confraternizar, não há quem saiba falar inglês. Como o meu sueco é quase tão bom como a capacidade de raciocínio do Luís Delgado, a comunicação faz-se por gestos, coisa que esta rapaziada não acha grande piada. Parece que têm medo que sejamos emissários da Dinamarca armados com paus e fisgas para os atacar – isto porque, consta, durante anos e anos estas gentes de Visby foram atormentadas por um tal de Valdemar, um pretendente ao trono da Dinamarca que entrou por aqui e anexou o território. O Valdemar Atterdag, quarto de uma descendência que honrava tão bonito nome, era um grandecíssimo mariola e mau como as cobras. Filho de Cristóvão II, acabou preso na Alemanha por causa da incompetência do pai em liderar os exércitos dinamarqueses nas suas batalhas no norte da Europa. Assim que se libertou, reuniu um grupo de bêbados e desatou a conquistar territórios inofensivos na Escandinávia até conseguir autoproclamar-se rei da Dinamarca. Como se não bastasse ter virado o reino da Dinamarca de pernas para o ar – coisa em que até o Shakespeare reparou – ainda deixou suecos, noruegueses e finlandeses às bofetadas uns com os outros.

Para os pobres habitantes de Visby, como se não fosse castigo suficiente ter que viver às ordens de um dinamarquês emproado chamado Valdemar e ainda por cima num sítio onde a maior emoção do dia é capaz de ser ir ao leite (tendo em conta que não há vacas, têm que ir tirá-lo aos cavalos), do lado oposto da cidade ainda tinham que aturar os piratas, que vinham as magotes, dentro dos barcos-rabelo. Durante anos e anos a cidade foi conhecida como o principal porto de abrigo para piratas, ladrões, violadores, administradores do Benfica, cateiristas, espanhóis e todo o tipo de escroques, se bem que apenas os piratas davam nas vistas, porque se embebedavam todas as noites e ficavam às tantas a cantar o «Soltem os Prisioneiros» dos Delfins em plena rua, sem deixar a malta dormir. O lobby dos piratas era liderado pelos irmãos Victual, que tinham pouco ou nada a ver com os irmãos Vickers que fizeram o primeiro voo da História – um desastre com uma máquina ridícula que pairou a três centímetros do chão durante 13 segundos, mas suficientemente espectacular para alguém ter considerado que aquilo era o primeiro avião da História. Os irmãos Victual eram sustentados pela rainha Margarida da Dinamarca e pelo Duque Alberto de Mekelenburg, um antepassado do Alberto do Mónaco que, à imagem deste, era um grande garanhão e queria à força engatar a Margarida. Então encarregou os irmãos Victual – que vem do latim «victualia», ou seja, provisões – de irem aos países vizinhos roubar tudo o que ele precisava para fazer a corte à rainha: roupas lavadas há pelo menos seis meses, um ramo de flores de plástico para nunca murcharem e pauzinhos de incenso para queimar enquanto faziam cenas de um erotismo extremo ao som dos melhores êxitos de Sérgio Godinho.

A situação atroz que se vivia em Gotland e em Visby só se resolveu em 1645, depois dos alemães terem ajudado a destruir de vez o que sobrava de bonito na cidade, ou seja, todas as igrejas, com excepção da grande catedral, que era para se abrigarem do frio (que aqui corta mais do que a lâmina da catana do talhante do meu bairro). Pegaram fogo a tudo o que apanharam pelo caminho para se aquecerem, porque estavam a bater o dente e a ficar com frieiras nos joanetes, de maneira que ainda hoje existem essas ruínas. A malta acha que é para dar charme e para convencer a UNESCO a dar alguma importância à cidade, mas eu cá desconfio que é mesmo porque está um frio que não se aguenta e reconstruir casas antigas ao frio deve estar a meio caminho entre uma pneumonia e um ataque de anginas. O Tratado de Brömesbro pôs termo a 300 anos de ocupação dinamarquesa (calma lá que o tal o Valdemar não durou tanto tempo e já não era vivo nessa altura, morreu aos 294 anos quando tentava contair matrimónio com uma armadura espanhola, depois de ter passado a noite a fazer amor com duas lituanas loiras que, afinal, eram Vikings de bigode e tranças). O armistício foi acordado entre a Suécia e, na altura, a aliança Dinamarca/Noruega, que acederam a devolver o território em troca de um presunto de Chaves, uma edição de coleccionador do primeiro volume da revista Gina, um duplo-vinyl da Mireille Mathieu no Olympia e duas game-box para o Estádio de Alvalade, incluindo jogos para a Champions.

A malta de Visby não chama Visby a Visby. Chamam-lhe «cidade». Um sueco de Estocolmo traduzia a conversa para nós: «eles dizem que têm que ir visitar a cidade porque vale a pena». Mas qual cidade? «A cidade». Pois. Só há uma, chama-se Visby e, digo-vos eu que nunca minto, é quase tão grande como a Cova do Vapor, na Trafaria. Com menos estilo, claro. É um aglomerado de casas a perder de vista – há uma aqui ao pé de nós e outra a uns 750 metros de distância e, garantem-nos, estas duas famílias são amigas há várias gerações. Cafés, não há. Parece que há um bar junto à muralha, no porto, onde se pode ver o futebol e tudo (o dono do bar pede a um amigo de Gotemburgo para lhe gravar os jogos do campeonato em Betamax e ao fim-de-semana organiza sessões de visionamento para toda a gente da cidade assistir, o que prefaz uma assistência de umas dezasseis pessoas). A loja de souvenirs tem um ar mesmo típico daqui desta região. Só vende redes de pesca, isco, anzóis, canas, barcos de borracha, galochas, impermeáveis, capotes, amarras e fios de nylon, o que me deixou seriamente a pensar se não teria a tradução equivocada entre «loja de recordações» e «loja de pesca».

É tradição a ilha encher-se de gente no Verão, porque só chove às meias-horas de seguida e a temperatura quase rebenta a escala do termómetro, atingindo uns infernais 15 graus! As pessoas instalam-se em tendas de campismo ali bem junto às águas do Báltico, que nessa altura do ano convidam a um belo mergulhinho com os seus 9 graus que mais parecem uma canja de galinha. Na semana nº 32 de cada ano do calendário romano, ocorre uma festa muito popular por estas bandas: a semana medieval. É nesta altura do ano que os turistas se cruzam frequentemente com pessoas locais vestidas à época, com saiotes e sandálias do tempo do Ben-Hur e semi-armaduras a proteger o tórax e as partes baixas. Os turistas acham piada e riem-se, mas nem desconfiam que esta gente anda assim vestida o ano todo, porque nunca aprenderam a vestir-se de outra maneira e a Cosmo não chega a Visby.

É neste cenário bucólico, deserto, inóspito e mais alguns sinónimos para «feio» e «sinistro» que não se passa rigorosamente nada. Não passam carros, não há gente nas ruas, não há mendigos com realejos nem ceguinhos a pedir no metro. Nem sequer uma ciganita a vender camisas da Gant por 15 euros. Nada. Não se ouve um pio, porque os pássaros, uns morreram de tédio, outros de frio e os que restavam fugiram para o Ártico para ver se descobriam pinguins (sem saber que os pinguins emigraram todos para o Hemisfério Sul a bordo do Lusitânia Expresso). No meio de uma ilha fria, quase morta e sem nada para fazer, um maluco endinheirado resolveu construir um circuito de velocidade. O Gotlandring é conhecido como a mais exigente pista de velocidade a Leste de Estocolmo, mas claro que se esqueceram de dizer que é também a única. É um projecto fantástico, que por agora tem pistas com nove quilómetros de perímetro e várias configurações possíveis, estrutura para todo o tipo de ensaios de automóveis, bancadas para corridas de campeonato e zonas para testes técnicos e científicos. No futuro, vai ter mais 20 km de pistas para percursos de todo-o-terreno, ralis, snowmobile e mushing. É uma logística interessante e moderna, alimentada por um complexo eólico de umas três ou quinze ventoinhas gigantes. As ventoinhas chamam-se «Vestas», em homenagem ao idiota que resolveu fazer uma obra destas num sítio onde não mora ninguém, o sol põe-se às três da tarde, chove o ano todo e chegar lá demora, no mínimo, metade de uma eternidade...

Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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