Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Tuesday, January 30, 2007

Não sei onde fica o Inferno, mas suspeito que é em Atenas...

Não faço ideia onde fica o Inferno. Já tentei saber junto de algumas pessoas que faleceram, mas não obtive resposta. Já li sobre o assunto, mas não fiquei esclarecido. Parece que os pensadores, filósofos, teólogos e autores de livros também não se conseguem entender sobre a localização ou o tipo de acolhimento no Inferno: há uns que acham que é um pequeno spa com o qual os mortos se cruzam apenas de passagem, queixando-se obviamente da temperatura da água, que está demasiado elevada; outros acreditam que é todo um aglomerado de cavernas e masmorras nas profundezas do Universo, onde se sofre como o raio, não se come nada de jeito, faz um calor dos diabos (no verdadeiro sentido da expressão «um calor dos diabos») e onde os demónios são bichos ruins que destratam os mortos, vergastando-os com paus e fisgas; e há também quem acredite que o inferno tem sete portões, um para cada tipo de morto, dependendo da quantidade de travessuras que cometeram em vida, do estilo:

- “portão 1, indivíduos que nunca acharam piada aos anúncios do Ecoponto”
- “portão 2, indivíduos que em toda a sua vida nunca aprenderam a dizer correctamente as palavras ‘parteleira’, ‘númaro’, ‘curássant com creme’ ou ‘standér de automóveis’
- “portão 3, indivíduos que já foram sócios do S.L. Benfica”
- “portão 4, indivíduos que deram dinheiro para assistir a pelo menos uma encenação do Filipe La Féria”
- “portão 5, indivíduos que pertenceram a bandas de música que tivessem incluído as palavras ‘Roxette’, ‘Scorpions’ ou ‘Quinta do Bill’”
- “portão 6, indivíduos que começam as frases com a expressão «é assim...»
- “portão 7, advogados, primeiros-ministros, presidentes de câmaras, actores da Floribella, presidentes de clubes de futebol, comentadores políticos da TVI, funcionários das finanças, violadores, assassinos, espanhóis e outros escroques do género”

Seja como for, faltam explicações, minha gente. Ainda ninguém provou onde fica esse tal de Inferno e como se faz para lá chegar: vira-se à direita ou à esquerda em Fernão Ferro? E afinal, para que é que ele serve, se as pessoas quando lá chegam já estão mortas?

Não faço ideia onde fica o Inferno, mas suspeito que fica na Grécia. Não faço ideia porque chamam “Inferno” ao “Inferno”, porque o verdadeiro nome do “Inferno” devia ser “Atenas”. É o único sítio do mundo inteiro – e olhem que eu conheço quase o mundo inteiro, falta-me apenas a ilha melanésica de Vanuatu e a Trafaria – que eu acredito que seja pior que o Inferno, mesmo nunca lá tendo estado (no Inferno).

As placas que indicam as direcções estão escritas em duas línguas: em língua de cão, aquela que tem os caracteres indecifráveis mas que tem uma oralidade minimamente parecida à de um catalão ofendido; e em linguagem ocidental, o que ainda assim não serve para nada, porque mesmo a tradução é incompreensível. As ruas parecem Bagdad antes de um bombardeamento, mas para pior, porque no Iraque pelo menos os bombardeamentos sempre contribuem para limpar algum do lixo do chão. Quanto às placas de trânsito, não tenho dúvidas, foram mesmo directamente importadas de Bagdad: não há uma que não tenha buracos feitos por um calibre 9mm ou mesmo por um zagalote de caçadeira de canos cerrados.

O trânsito de Atenas faz os passageiros frequentes do IC19 corar de vergonha de todas as vezes que lembram as queixas sobre a demora nas filas. Entrar numa das avenidas do centro de Atenas por uma das perpendiculares leva o mesmo tempo que ir de Gaia ao Estádio do Dragão, via Ponte da Arrábida. Às oito da manhã. As vias principais até são grandes, assim tipo a largura da Avenida da Boavista, ainda que com um comprimento sete vezes maior. Há vários cruzamentos pelo meio, quase todos eles com sinais de trânsito que proíbem a inversão de marcha. Pois em quase todos eles há gregos a fazer inversão de marcha. Únicos cruzamentos onde ninguém faz inversão de marcha: aqueles em que, de facto, é permitido fazer inversão de marcha.

Os gregos não gostam lá muito de matrículas. Cruzei-me com, pelo menos, uns 70 que andavam sem matrícula atrás, uns 190 que andavam sem matrícula à frente, e até com um que não tinha nem atrás nem à frente. Vi um Smart sem matrícula, que transportava um cão atrás dos bancos, naquela amostra de porta-bagagens.

De todos os lados aparecem motos. Nascem das ruas pequenas, dos passeios, dos cruzamentos, de dentro de casas e garagens. Aparecem de todos os lados, como moscas em volta de uma sardinhada. Sou tentado a pensar que as motos, em Atenas, não têm travões. Deve ser um extra. De todos os gregos que vi em cima de uma moto, e eram quase tantos como os japoneses que visitavam a Acrópole, nenhum usava o travão. Nem mesmo na iminência de serem esmagados no meio de dois carros que trocavam de faixa. De todos os motociclistas que vi, praí uns três ou dezassete mil, só quatro usavam capacete: um para proteger o cotovelo, dois para proteger o pendura, e outro que, de facto, usava o capacete na cabeça, mas afinal era um alemão. Anda tudo sem capacete, calma e descontraidamente, sem medo de ter um acidente numa cidade em que o trânsito é tão sossegadinho (porque, na verdade, não anda nem para a frente nem para trás). E sem medo dos polícias, porque de facto é proibido andar sem capacete em Atenas. Mas não se nota. Os polícias, gente simpática, estão impecavelmente fardados e até têm luvas brancas. Não vi um deles que fosse a multar motociclistas por andarem sem capacete. Nem mesmo quando, em frente a um polícia que tentava mandar avançar o trânsito num cruzamento, uma moto de cross e uma scooter quase chocaram de frente.

Por acaso até assisti a um choque: um furgão e uma carrinha de caixa aberta. Num cruzamento, claro. 394 automóveis tentavam avançar e aí uns 792 tentavam fazer inversão de marcha. Do outro lado, um enxame de motos tentava cruzar a via da esquerda para a direita. O furgão e a carrinha de caixa aberta tocaram-se, frente com flanco, e os condutores começaram a discutir. Como tenho uma certa dificuldade em entender essa língua de gregório… perdão, de grego, fiz como os ingleses me ensinaram e comecei a tentar decifrar a amena cavaqueira de ambos pela body language. O resultado foi este:

- “Tira daí o camião, ó palhaço!”
- “Eu já cá estava quando chegaste aqui e palhaço és tu, ó arraçado de Karagounis!”
- “É é… deves ser do Panathinaikos, com esse mau feitio!”
- “Por acaso sou do Olympiakos!”
- “Olha, tem graça, eu também sou!”
- “E aquele jogão de ontem, hã?! Somos os maiores!”
- “Este ano vamos ser campeões da Europa, pá!”
- “Isso já fomos! Aviámos os portugueses!”
- “Vá, baza daí e deixa-me passar. Até um dia destes!”
- “Tchau! Porta-te bem!”


E foi isto.

Fiquei com a ideia que os gregos, especialmente os de Atenas, são uns saudosistas. Passam a vida a lembrar feitos históricos do passado: os primeiros Jogos Olímpicos, a tomada de Tróia a bordo do ferry-boat, ou melhor, a bordo do cavalo, os primeiros teatros, os grandes filósofos, a conquista do Euro-2004, o início das obras no Partenon (em 1983)… A certa altura, numa fila de trânsito – uma das mais pequenas, tinha apenas uns 17 quilómetros de extensão – há um grego que sai do carro dele e dirige-se para o carro de trás (convém esclarecer que o carro de trás era aquele em que eu estava). Bate na janela do condutor que, complacente, baixa o vidro. Ele pergunta qualquer coisa em grego, do género:

- “Sabes como é que se vai para a ilha de Creta, virando à esquerda em Fernão Ferro?”
Ao que o condutor responde:
- “Sorry. Don’t speek greek.”
E o grego:
- “Ah… no greek… ‘oquéi’… where are you from?”
E nós:
- “Portugal.”
E o estúpido:
-“Ahhh… ‘Portugaló’!... You remember… euro-2004?”
E nós:
- “E se fosses apanhar no…?”

Visitar os pontos históricos de Atenas tem a sua piada, até porque não consta que haja um monumento de homenagem à conquista do Euro-2004 (se houvesse, talvez fosse a estátua de um brasileiro de bigode sentado num tarolo). Subir ao alto da Acrópole, afinal, não custa nada (qualquer Bom Jesus enfia aquela subida num chinelo) e aquilo lá em cima até tem piada. Os gregos sempre foram rapazes extremamente evoluídos: demoraram anos e anos e anos (e mais anos e anos) para construir essa obra fabulosa que é o Partenon e estão a demorar anos e ainda mais anos para acabarem com as obras de restauro. Mas sempre andaram claramente à frente do seu tempo: mesmo construído no Século-V a.C., o Partenon apresenta uma interessante colecção de sofisticados andaimes de ligas metálicas modernas. Espalhada pelo recinto histórico está uma série de pedras com gravuras em relevo, todas elas vedadas para ninguém lhes tocar. São pedras que foram restauradas e pertencem aos monumentos, só que ninguém sabe a que parte. É tipo puzzle: hão-de caber num sítio qualquer, logo se vê. Lá para o ano 2047 pensa-se nisso.

Até há um museu lá em cima, onde estão expostas peças de arte recuperadas do interior dos monumentos da Acrópole, gravuras incompletas (todas em mármore roubado às ilhas do Mediterrâneo) que os gregos dos tempos modernos não conseguiram gamar na totalidade. Em cada canto do museu há uma estátua de um grego com a pila à mostra. Do lado oposto, há mais estátuas, desta feita gregas vestidas com fardas modernas e sentadas em pequenos banquinhos. Ah… afinal não são estátuas. São gregas a sério e estão vivas, pese embora as únicas partes do corpo que mexem sejam os maxilares, os lábios, o bigode e a língua, para gritarem “no flash!” à malta que ignorou aquela advertência à entrada do museu que dizia… “não tire fotos com flash”. É que ninguém obedecia, se calhar porque o aviso estava em grego. Emprego estimulante, esse de empregada de museu. Imagino-as a chegar a casa, à noite, lá pelas 23h, depois de terem saído do trabalho às cinco da tarde e de terem apanhado um pouquinho de trânsito, à mesa com o grego que as comprou, perdão, que casou com elas:

- “Bem, Alexandrinis, nem imaginas o meu dia hoje”
- “Então que tal?”
- “Tive que dizer ‘no flash!’ trinta e quatro vezes, foi extenuante!”
- “Hum-hum… passa aí a pita shoarma, ó fáxavôr…”


Dizem que uma das coisas mais bonitas da Acrópole é a vista que se tem sobre a cidade de Atenas. Confesso que tenho alguma dificuldade em entender o que há de “bonito” numa cidade que se estende a perder de vista, com um aglomerado de construção 85 vezes pior do que a Fonte da Telha (numa área útil quase igual), e com uma nuvem de poluição a pairar sobre as casas, mais castanha que um dia de São Martinho. Algures lá pelo centro da cidade, mais ou menos naquela zona em que se vê a estrutura do Estádio Olímpico (o novo, aquele mamarracho que só serviu praticamente para os Jogos Olímpicos de 2004), há uma interessante mistura cultural: entre um prédio mais moderno, um hotel e uma embaixada, há sempre uma mesquita de inspiração ortodoxa, quase todas elas com aspecto mais abandonado que o Túnel do Rossio.

O melhor de Atenas, para mim, é a pista de onde os aviões levantam voo dali para fora. Fiquei com uma ideia razoável do hotel onde fiquei, uma construção moderna e feita muito com orientação de design. Até gostei do hotel. Talvez porque era fora da cidade. E porque até se chega lá rapidinho: hora e meia (de carro) desde o centro até lá, um percurso de uns três quilómetros.

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