Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Wednesday, June 20, 2007

Fazes favor dás-me um croissant antes que lhe chame «pão-de-mafra»?

Eu não sou obrigado a saber falar francês, pois não?

Sou desenrascado em línguas. Dou uns toques de inglês, desenrasco-me com o italiano (basicamente, acabo todas as palavras em «ini» e parece que me safo..), cuspo-me todo a falar espanhol e gostava de ter ficado na escola tempo suficiente para saber falar português. Mas no francês estou perto da nulidade, como de resto em tudo o mais na vida.

Estive uns dias em França e tive que tentar falar francês por várias vezes, se bem que, em algumas das tentativas, me tenha ficado só mesmo pela tentativa. Pelo menos a avaliar pelo ar com que me olhavam quando eu tentei o «sile vû plé, le chemã pûr lá avenue de lá grande armê».

Em França, no essencial, os que lá vivem sabem falar três línguas: francês, francês fanhoso e francês amaricado. Tudo originário das línguas românicas. Quanto a entender, só entendem francês. E, mesmo assim, é bom que seja um francês perfeito como o do Toulouse Lautrec. Não adianta preparar mentalmente a frase para depois chegar e dizê-la com sotaque da Arrentela. Não resulta. Ou se diz «excusez-moi, est-ce que vous savez le chemin pour Chartres?», ou não adianta. Se vamos numa de «ikscuze-moi, saves le chemin para Chates?», parece que os estamos a perguntar pela irmã muçulmana de 17 anos.

Arranjaram-me um alojamento curioso: um castelo. Não era um castelo dos pin-y-pons nem o castelo do drácula. Era um castelo a sério. Trouxe uma fotografia e tudo, para mostrar que não ando aqui para enganar ninguém. Alguém decidiu reconstruir totalmente um antigo castelo senhorial e converteu-o assim numa espécie de turismo rural. Perdido no meio de um bosque, à noite só vêem os candeeiros da entrada e a lua a tentar espreitar por detrás das nuvens. Por dentro, os longos corredores estão decorados com cabeças de veado embalsamadas, capacetes de armaduras, brazões, morcegos, espadas e espingardas do início do século. Sim, eu disse morcegos e está certo. Morcegos verdadeiros. Dentro de um dos quartos estava um, comodamente pendurado numa das vigas de madeira, a descansar o seu belo soninho, quando alguém acendeu a luz e ele começou a esvoaçar completamente perdido às cabeçadas a tudo o que apanhava pela frente. O quarto que me arranjaram não tinha morcego, mas também não tinha sanita. Se acaso me desse a vontade, tinha que atravessar o corredor a correr, sendo provável que lá chegasse impróprio para contar.

A senhora que andou a distribuir os hóspedes pelos quartos falava francês com o tom grave e monocórdico daquele rapaz que faz o programa de rádio «A Hora do Lobo». Mas falava ainda mais baixinho, para não acordar o dono do castelo. Do seu francês coloquial só percebi a que horas era o pequeno-almoço e qual era o número do meu quarto. O sítio onde eu ia dormir tinha uma área maior que a da minha casa, porque ocupava, na totalidade, a extremidade do castelo, aquela «chaminé» redonda que se vê na imagem. A casa de banho era um bocadinho mais pequena, mas sempre dava para fazer um joguinho de Futsal, uma vez que a sanita estava ausente e bidé – que por acaso é uma invenção francesa do século VII, portanto, contemporânea do castelo – nem vê-lo. A banheira estava arrumada num canto e tinha mais ferrugem que as gruas abandonadas da Setnave. O soalho range como nos filmes de terror (nos maus). A porta não fecha. Os estores não descem, mas as cortinas sempre fecham, mesmo que pesem como chumbo. Deitei-me em cima da cama e afundei-me quase até ao andar de baixo. Não sabia que era permitido fazer colchões tão moles.

Dormi a correr para estar pronto a horas na manhã seguinte. A mesa, comprida e larga como a do rei Louis XV, estava cheia de pão tipo cacete, que os franceses transportam com mestria debaixo do sovaco, e croissants acabadinhos de fazer, segundo o que a senhora estalajadeira disse. Ou então disse outra porcaria qualquer, mas eu quis acreditar que eram elogios às propriedades estaladiças dos croissants. Resolvi perguntar pela manteiga: «sile vû plé, ú-é le borre?». A gargalhada de quem estava à mesa fez-me sentir um comediante, mas a cara da madame era mais para o insulto do que para a piada.

É cedo, manhã muito cedo, mas o portageiro parece fresco como um carapau na lota de Leixões. Apeteceu-me perguntar-lhe onde raio é que andava ontem às duas da manhã, quando cheguei à porcaria da portagem e não estava lá ninguém. Rigorosamente ninguém. A partir de uma certa hora, as portagens funcionam em auto-gestão: ou trazes o cartãozinho de crédito para pagar no automático, ou bem que ficas parado porque a cancela não sobe. Olhei outra vez para ele e disse, com esmero na voz: «dones-muá le récibe?». Ele riu-se, o palhaço.

A partir desse momento decidi começar a falar inglês com todos os que apanhasse pela frente, mas o chauvinismo dos franceses é tão grande que encolhem os ombros e juram a pés juntos que não entendem inglês. E também dizem que não percebem português quando lhes digo «o Sarkozy é bêbado». E eu, que sou uma besta, não sei dizer-lhes nada de jeito em francês, para os deixar mesmo irritados.

Fiquei convencido que tenho que aprender a falar francês. Por nenhum motivo que me seja verdadeiramente útil, apenas para poder ofendê-los com mais estilo e perceber de que maneira me insultam de volta.

Em 1999, o francês era a 11ª língua mais falada no mundo. A língua portuguesa é a 5ª mais falada em todo o mundo, embora a maior parte dos 210 milhões que a falam a tratem com os pés.


Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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