Não é coisa para me fazer levantar todos os dias de manhã com vontade de vir trabalhar, mas também não é caso para ficar mais um quarto-de-hora na cama todas as manhãs a imaginar em qual das partes da minha caótica biologia poderia contrair um estafilococos fatal que me impedisse de vir trabalhar. Venho trabalhar porque gosto do que faço e, felizmente, andam distraídos o suficiente para me pagarem por isso. Mal, é certo. Mas isso é outro assunto.
Dito isto, devo dizer que o meu patrão espanhol é muito bom rapaz (Olá, chefe! Tudo bem? Gosto de si, joder! – não vá ele ter tanta sorte de dar com isto na internet). É tão bom rapaz que até já me ofereci para fazer uma pesquisa aprofundada sobre a sua genealogia para confirmar que ele, afinal, é holandês e nasceu na Nova Zelândia. Porque o meu patrão é simpático, educado, um gestor objectivo e sem medo de cortar onde as despesas são mais gordas (Olá outra vez, chefe. Se por acaso continua a ler isto é porque arranjou uns serviços de tradução – e se é esse o caso, olhe que eu sou dos mais poupadinhos. Não faço despesa quase, quase nenhuma. Até sou eu que trago o meu papel higiénico de casa). É um tipo elegante, apresentável, de modo que tenho certas dúvidas que seja realmente espanhol.

Os espanhóis comem com as mãos, escrevem com os pés e falam quase tão alto quanto os italianos. No primeiro caso, não me parece mal – quem nunca comeu uma coxinha de frango à unha ou despachou uma sardinhita morta à estalada em cima de uma fatia de pão? – embora no caso dos espanhóis a utilização das patas para comer se estenda ao arroz negro, ao fillet-mingon com judias verdes e à crema catalana.

Os espanhóis têm vários conflitos e um deles é com a água. Atenção que isto é sério – não é cá brincadeiras como o terrorismo no País Basco. O pior terrorismo que os espanhóis fazem é com os visitantes, com quem vem de fora, quem visita o país. Nem nesses dias tomam banho. Isto resulta em constantes atentados à minha pirâmide nasal, que – coitada – já sofreu atentados que chegue e já de si é um bocadinho uma ruína de pirâmide em vez de uma pirâmide como deve ser. Não tomam banho, mas perfumam-se. E em quantidades suficientes para encher o lago do Campo Grande. Mas como os perfumes dos espanhóis vêm de Marrocos, a catarse que resulta é tudo menos interessante – uma mistura entre naftalina de baú com almíscar de chamuça, com recortes de peúga-por-lavar, carrascão entornado há dois meses e um ligeiro travo a tabletes dietéticas. Apertar a mão a um espanhol é, normalmente, um acto de coragem – porque fico sempre com a mão direita engordurada o suficiente para fazer a revisão ao carro.

O meu patrão é do tipo de gente que devia viver em Belém, com uma varanda gigante virada para o rio. Comporta-se bem à mesa, é um óptimo conversador, esforça-se para falar português, convive-se impecavelmente com ele, até porque liga muito pouco a futebol. Tenho a certeza que ele não é espanhol. Deve ser suíço, ou então austríaco, isto se eu não conseguir confirmar que ele nasceu mesmo em Auckland.
Já eu, por outro lado, de tão interesseiro que sou, desconfio que os meus pais se embebedaram algures em Badajoz há umas décadas a esta parte e andaram a divertir-se…
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1 comment:
Tenho uns amigos que não iam gostar de ler esta ode à Espanha... Sim, à Espanha, como se diz, também, vou ali à França! Gosto tanto. Ah, e há uma terra na raia que dizem também: "Vou ali à da minha avó." Não é nada promíscuo. Significa: vou a casa da minha avó.
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