Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Wednesday, August 25, 2010

Ele há grandes monstros da comunicação. E se há pessoa que o é, é o Henrique


Eu não sabia quem era o Henrique Sá Pessoa até uma colega de carteira me ter dito que ele é cozinheiro e aparece na televisão, nos anúncios do Pingo Doce. Como os anúncios do Pingo Doce estão cada vez melhores, preferia não ter sabido quem ele era.

Sugeriram-me que visse o programa de TV em que ele é interveniente. Confesso que até hoje nunca consegui encontrar o referido programa de televisão. Um anjo qualquer tem sido capaz de me proteger ao longo destes tempos e não tenho tido o infortúnio de o encontrar enquadrado numa caixinha preta com LED brilhantes.

Parece que ele aparece bastas vezes em revistas. Como eu não sei ler, não compro revistas. Nem jornais.

Entretanto, quando já estava convencido de que tinha uma vida pacata e feliz por não saber quem é tal pessoa chamada Pessoa sem ser o Pessoa da História, «cruzei-me» com ele num spot de rádio. O problema de se ouvir rádio durante uns dias é que ao final do segundo dia já sabemos alguns anúncios de cor. Mesmo os que não queremos.

Há dois spots de rádio, com publicidade a um banco, feitos por esse enorme monstro da comunicação chamado Henrique Sá Pessoa. O primeiro diz mais ou menos isto (peço desculpa se não o reproduzo fielmente, mas roubaram-me a memória desde o raide das tropas do Hugo Chávez na fronteira com a Colômbia):

«...bla, bla, bla, o banco ideal para quem adora cozinhar, fazer televisão e bla, bla, bla, bla...»

O outro diz, grosso modo, isto:

«Eu além do restaurante, também tenho o programa de televisão, escrevo livros e, mais importante que isso, sou pai da Inês. Mais ocupado é difícil [com um tremelique na voz a imitar um sorriso jocoso]. E se ainda tenho tempo para vir a estúdio fazer este anúncio [outra vez armado em gozão como se estivesse a tentar rir] é porque tenho um banco que trata da minha bla, bla, bla, bla...»

Bom, tentando desmontar os spots publicitários feitos por Henrique Sá Pessoa, deixo as seguintes questões, se ele me puder responder:

- 1º: caro Henrique, «fazer televisão» é construir aparelhos de TV?
- 2º: «eu além do restaurante» quer dizer que há um outro Henrique Sá Pessoa além do restaurante? (Deus nos valha) Ou que tem dupla personalidade? Ou anda a dar-se demasiado com a Alexandra Solnado e tem um restaurante que fica no Além?
- 3º: o meu caro amigo escreve livros? Mas escreve-os mesmo? À mão ou carrega nos botoezinhos da máquina de escrever? Será que não manda ninguém escrever por si?
- 4º: «Mais ocupado é difícil»? Olhe que não é. Há pessoas muito mais ocupadas na vida. Há pessoas que têm três empregos e ainda têm que tratar da família. E mesmo as que só têm um emprego não passam o dia a enfeitar pratos com beterraba marinada em molho de aniz e raminhos de salsa com cobertura de casca de limão ralada.
- 5º: Se ainda tem «tempo para ir a estúdio» gravar anúncios, é porque é, digamos, fanfarrão. As pessoas realmente ocupadas não têm tempo para essas mariquices. As pessoas realmente ocupadas têm o tempo livre que se esforçam por ter e, garanto-lhe, não é uma instituição bancária que o arranja. Se o senhor afinal até tem tempo livre, em vez de gravar anúncios porque é que não se ocupa a fazer alguma coisa útil? Tipo servir refeições aos sem-abrigo?
- 6º: [esta não é exactamente uma pergunta] Desista da carreira de comunicador. É péssimo nisso. Quase tão péssimo como a fingir que se está a rir enquanto fala. Ah, é verdade: tem uma voz francamente má e uma dicção terrivelmente pior. Para ser o Jamie Oliver português, tinha, pelo menos, que ser... (como é que é a tal palavra?)... bom. Nem era preciso ser brilhante.

Não conheço o prosado senhor. Não sei se o Henrique Sá Pessoa é boa ou má pessoa. Mas tenho que confessar, com a maior das sinceridades, que sou um grande, enorme, profundo admirador do director de marketing que fez dele a grande figura que é. Se me puderem dar o contacto dele, eu agradeço.

Tuesday, August 03, 2010

Blog reactivado com promessas de ano novo. Em Agosto

Para celebrar a reactivação deste blog, depois de uma tentativa de um torreverdiano de o contaminar e eliminar (não correu nada bem, isto não só ficou de pé como continua a meter nojo), fica aqui assente a promessa de não voltar a falar mal do carnaval de Torres Vedras. Até Janeiro, pelo menos.

Wednesday, July 28, 2010

Aviso: este blog está ao abandono e foi atacado por uma vaga de spam

Tenham calma, torresverdianos (o novo nome para os torreenses parvos que vêm aqui ofender o autor do blog). Não vos estou a considerar spam, embora tenha enviado uma nota com todos os vossos IP aos senhores que tratam dos bloqueios de serviço.

Acontece que a crise ataca todos e os outros rapazes que faziam este blog comigo foram contratados pela concorrência. Agora escrevem num blog que diz bem sobre o carnaval de Torres Vedras.

Friday, March 26, 2010

Vendemos cocos, vendemos água, vendemos areia da praia, vendemos o sol, até vendemos a mãe se prometerem que nos pagam


Ainda não são quatro da tarde e o sol ameaça baixar para só voltar na manhã seguinte. Mas hoje, especificamente neste dia, agradeço que o faça. Até as pessoas de cá estão com calor, o que não deixa de ser surpreendente, tendo em conta que, para eles, um dia de Verão com 35 graus Célsius é um dia fresco e um dia com 27 graus é um Inverno rigoroso. Pois estavam 44 à hora do almoço. E 32 às 7h30 quando fui dar o primeiro mergulho, porque já não aguentava de calor.

Chamam-lhe Terra de Vera Cruz, o que é um logro. Parece que o Pedro Álvares Cabral, quando escolheu o nome para este pedaço de terra, achava que tinha encalhado numa ilha, que chamou de Santa Cruz. Quando descobriu que, afinal, o areal era maior que a Europa, resolveu emendar, dizendo que os indígenas é que tinham percebido mal: «não é Santa Cruz, seus arraçados de ciganos! É Vera Cruz! Vera! Quem é que disse que era Santa, pá?!». Para mim, não é terra de santa nem de vera. Para mim, é terra do bafo. Faz um calor que não se aguenta.

O que tem de mais espantoso um mergulho às sete da matina, para além do facto de ficar com a ideia que alguém mandou aquecer o oceano para eu poder tomar banho, é ver os empregados das barracas de praia a varrer. A varrer a barraca? Não, claro que não. A varrer a praia, mesmo. Um rapaz, bronzeado e mal arranjado de cara, estava a limpar o areal em frente ao estabelecimento comercial e junto aos chapeuzinhos-de-palha. A varrer o lixo? Também não. Estava a varrer os limos. Acho que nunca ninguém lhe explicou que os limos, apesar do aspecto de peruca de bruxa ou de damaiense com o cabelo por lavar há três anos, são organismos vivos. São algas, para todos os efeitos, e utilizam a sua própria energia para fazer a fotossíntese. Mas para o Júnior, que se lixe, é tudo lixo. Pelos vistos, para o patrão dele também, porque estava aos gritos com ele, que eram quase oito da manhã e o areal ainda não estava limpo. Disse-o agitando vigorosamente o balde onde ele devia amontoar o lixo. Os limos, portanto. E gritou com ele em voz alta, num português que não era nem português do Brasil, nem português do Algueirão, nem português da Suécia. Era português da Jamaica. O dono da barraca de praia nasceu em Kingston, mudou-se para Tenerife, conheceu uma portuguesa de Faro, foram viver juntos para os Barbados até ficarem falidos e finalmente radicaram-se no Brasil onde montaram uma barraca de praia. Vivem lindamente e dormem numa espécie de mezzanine em madeira por cima da copa (quer dizer, acho que dormem, não fui lá confirmar). Um casal estranhíssimo: ele é magrinho, negro, mais escuro que a noite sem lua, e só veste linho do mais branco que eu já vi; ela é branquinha, alta, avantajada, cabelo moreno, longo e encaracolado; ela pinta, desde os paus da barraca a quadros lindíssimos que ficariam mal em qualquer parede; ele grelha uns robalos ao sal bestiais.

Lá pelas dez da manhã, depois de um magnífico pequeno-almoço de frutas de todas as cores e sabores – incluindo acerola, uma fruta bestial, parecida com a cereja mas com cheiro a maçã e sabor pior que o de um limão – resolvi explorar essa tal de praia em frente ao hotel. É uma praia que, para terem uma ideia, começa numa baía situada uns quatro quilómetros para norte e acaba, digamos, na Argentina. No entanto, de uns 500 em 500 metros há uma barraca de praia e, só por isso, o areal ganha logo um estatuto diferente. E passa a ter outro nome, também. Apesar de ser rigorosamente o mesmo areal, sem pontões nem rochas pelo meio, a praia do Serpenjão e a praia do Arimogim são duas praias diferentes (peço desculpa, mas os nomes das praias são fictícios, não me lembro dos nomes verdadeiros; a minha memória já não é o que era e, antes, pelo menos tinha uma película magnética que gravava as informações pertinentes; hoje é apenas um alguidar cheio de trampa sem interesse). Investi em mais um mergulho naquelas águas magníficas, aquecidas como se fosse uma sopa para canibais. No entanto, como a minha pele é quase tão bronzeada como a de um inglês que nunca saiu de Stratford, achei mais prudente garantir um lugar à sombra para não ficar a parecer um lagostim quando tivesse que ser apresentado ao governador, nessa mesma noite.

- Júnior! Tem lugar à sombra?
- Ô doutor, aqui só não tem é dinheiro – disse o tal do Júnior, enquanto tirava a sua t-shirt e exibia o corpo tão musculado como uma saca de cimento esquecida numa obra desde 1982. Confesso que tive medo. Pensei que ele tinha entendido mal e queria utilizar-me para qualquer fim carnal à sombra de uma palhota, mas afinal não. Ele tirou a camisola para pendurar no chapeuzinho e marcar como ocupado. Passado dois minutos apareceu com uma t-shirt nova. Parece que é adereço do estabelecimento comercial: em vez de marcar os lugares com um «reservado», marcam com um trapo dependurado. Está certo. Tentei sossegar por ali uns minutos, sentadinho, a tentar respirar a atmosfera de tanto mar à minha frente e tanto sol por cima do chapéu-de-palha. Tentei, apenas. Primeiro, não estava a ser capaz de respirar em condições, porque o bafo seco da temperatura estava a bloquear-me as tubagens de amianto que servem o meu sistema respiratório artificial; segundo, porque ao fim de três minutos já tinha tido que aturar vendedores de pulseiras, colares, anéis, brincos, relógios, óculos, biquínis fio-dental (haviam de me ficar um espectáculo!), tatuagens, queijo derretido, algodão doce, alcatifas, chapéus, CD’s de música pimba, iguanas embalsamadas, colheres-de-pau-brasil, camarão-em-espetada e água de coco. Um deles tentou convencer-me a contratar os serviços de uma menor e outro sugeriu que a sua própria mãe pudesse ser a minha guia turística durante a minha estadia, o que deu todo um novo sentido à expressão «vender a própria mãe». Quando apareceu a senhora que queria pôr-me umas missangas no cabelo, achei que era demais e fui para um mergulho.

- Júnior, tem caipirinha? – perguntei quando voltei ao chapéu-de-palha.
- Ô doutor, aqui só não tem é dinheiro.

Uma refrescante bebida e mais uma animada ronda de rejeição a todos os vendedores de tralha que insistiam em incomodar-me e lá veio o cheiro a peixe. Grelhado, bem entendido. O dono da barraca de praia estava a começar a grelhar peixe para o almoço – eram isto umas onze-e-meia da manhã. Bestial, era mesmo o que me apetecia.

- Júnior, tem peixe para o almoço?
- Ô doutor, aqui só não tem é dinheiro.
- Mas que raio, porque é que me chamas doutor?
- Doutor, não fique embestado com o que vou perguntar, mas quantos reais tem na carteira?
- Hum… não sei, uns 100 – disse eu, desconfiado.
- Então desculpe, doutor, mas, aqui no Brasil, quem tem 100 reais para passear na carteira, é doutor.

Júnior é o arquétipo do brasileiro moderno que não vive nem nas favelas, nem nos condomínios das grandes cidades. Coincidentemente, é o mesmo tipo de brasileiro que existe no Brasil há uns 40 anos, porque eles não evoluíram lá muito. É feio, muito moreno de pele e todos os dias veste a mesma coisa: chinelo, calção de ganga coçado e tronco nú. Só veste a t-shirt quando tem que marcar mesa a alguém. «Júnior» nem deve ser o nome dele, deve chamar-se exactamente o mesmo que o pai, simplesmente chamam-lhe de «Júnior» para se diferenciar. Um dia, quando tiver um filho, vai dar-lhe um nome qualquer, mas toda a gente o há-de conhecer por «Júnior». Como qualquer brasileiro, faz tudo por dinheiro, mas foi honesto o suficiente para me recomendar um amigo quando eu lhe perguntei se queria ser o meu cicerone durante o tempo em que eu não teria que ir trabalhar. O amigo foi muito prestável: Júnior assobiou e o amigo apareceu passado cinco segundos [desconfio que estava escondido ali por perto à espera desse sinal]. Eis o amigo do Júnior à minha frente, a chamar-me doutor e a perguntar-me o que quero conhecer, se quero praia ou campo, cultura ou lazer, noite ou dia. Prestável. Como se chamava o amigo do Júnior? Júnior.

Mas tenho que reconhecer que foram os 100 reais mais bem gastos de toda a visita. Muito mais bem gastos que os 4 reais que gastei no acarajé, uma especialidade feita com massa-de-feijão, frita, tipo rissol, com recheio de uma massa de camarão e frango. A gordinha que mo vendeu disse que era uma especialidade da Bahia e perguntou-se se eu queria «quente». Eu respondi que sim, porque comer rissol frio parece-me indegesto. Mas «quente» queria dizer que o recheio teria, também, um pouco de vatapá, uma mistela feita com fubá e pimenta-malagueta, picante como o raio! Tossi catorze vezes e tentei dizer obrigado, o que não consegui porque as minhas cordas vocais são sensíveis – na verdade, não é uma membrana vocal porque essa ficou destruída no atentado à embaixada do Malawi na Tanzânia, hoje restam apenas dois fios de polyester presos por arames de aparelho dentário.

O Júnior amigo do Júnior foi impecável, explicou-me como podia alugar um carro, mostrou-me uma reserva natural onde as tartarugas se alimentam nas rochas e dão à luz no areal, ajudou-me a alugar um barco para ir longe da costa pisar um recife verdadeiro, comeu metade do meu almoço e ainda me perguntou se eu queria que ele contratasse algumas meninas para me fazerem companhia numa danceteria nessa noite. Obrigado, Júnior, mas por muito que a ideia pudesse parecer boa, eu tenho compromissos de estado. À tarde explicou-me como chegar a uma reserva de índios, que ficava a cinco minutos dali indo numa chata, atravessando o rio, ou então indo dar a volta pela «pista», sinónimo de única estrada asfaltada das redondezas, que me obrigaria a fazer mais 30 km. Olhando para o ar robusto e plenamente íntegro da balsa onde supostamente teria que pôr o carro em cima, achei mais prudente ir pela estrada. Bem me arrependi, porque demorei mais de 45 minutos e ainda me cruzei com uma patrulha da polícia, que me mandou parar.

- Boa tarde, posso ver o documento e a licença de condução?
- Huh… desculpe, mas lamentavelmente eu deixei os meus documentos no hotel. Nem parece meu. Mas não os quis levar para a praia para não os perder e acabei por não os trazer para cá e nem precisei deles para alugar o carro porque ficou tudo na conta do hotel…
...
- Oi?
- Deixei… os documentos… no hotel [dito com sotaque: «dei-xéi… us dócumeinto… nu hôtéu»]
- Ah, tá bom… - disse o polícia, enquanto eu imaginava já um devastador incidente diplomático que dali iria resultar.
- Seu colega aí do lado não tem documento?
- Ele tem.
- Então troca.

Assim? Tão fácil? Parece que sim. O Júnior explicou-me que o polícia, no Brasil, serve para prender vagabundo e não para chatear turista. O que ele não sabia é que o Júnior sabe guiar, mas também não tem carta. Pouco importa. Ele nem se deu ao trabalho de confirmar.

Então lá chegámos a um sítio onde os índios se vestem de índio, andam pela rua como índios, levam paus na mão como índios e pedem 1 real para tirar uma fotografia com eles como índios. Mas vá, o Júnior diz que são mesmo índios ou pelo menos descendentes das últimas famílias de verdadeiros índios que existe no Brasil. Explicou-me que aquela comunidade vive ali em regime aberto (isto é, a sociedade pode lá ir tomar contacto com eles), mas raramente sai dali. Têm tudo: as suas casas de palhota, as suas caldeiras para fazer comida, as suas lojas de recordações e flautas índias, as suas bancas de venda de CD de música tradicional índia, um centro de reflexão e uma escola para as crianças. Ali se aprende a falar o idioma do país, mas a pedagogia tem uma forte componente cultural, para que as crianças índias nunca percam a noção das suas raízes. Resolvi aproximar-me de um grupinho de crianças.

- Titio, dá caneta p’ra mim.
[«Titio»?? Querem ver que já cá tinha estado?? Ou alguma das minhas aventuras na Europa veio dar descendência aqui??]
- Er… eu não tenho canetas.
- Tem não?... E esse Samsung na sua mão? Tem mais?
[Samsu… hem?!… são índios, mas sabem o que é um telemóvel de terceira geração só de ver os botões?]
- Dá um real p’ra mim.
- Dá p’ra mim, titio.
- Dá mim.
- A mim.
- Compra um sumo p’ra mim.
- Titio, compra um pão p’ra mim.

[AAAAAAAAAAHHHHHH… tirem-me daqui!!!...]

Esta situação deu-me pena. Durante dois minutos e meio, pelo menos. Depois o Júnior explicou-me que eles são ensinados pelos pais a extorquir tudo o que puderem dos turistas e então a pena passou-me num instante.

É um sítio fantástico e tenho dúvidas que se possa fazer maior elogio da praia do que num lugar assim. Mas eu gosto mais da minha cama de rede nas Comores e do ar condicionado dentro da barraca. Sem ofensa.
o

Tuesday, February 16, 2010

Chuva e frio que cancelam desfiles no carnaval de Torres Vedras só podem ser «bom tempo»


Esta manhã acordei com uma má notícia: estavam a dizer no transistor, numa rádio de onda-curta que oiço a partir da minha localização estrelar em Andrómeda III, que ia chover menos. Mas ia manter-se o frio. Ora isto é má notícia porque, pelos vistos, não é suficiente para cancelar todos os desfiles de carnaval do mundo, o que é extremamente aborrecido. Cavaco Silva tinha a secreta esperança que este era o ano em que o mau tempo ia convencer toda a gente da idiotice que é fazer um carnaval no Inverno. Mas fica a clara sensação de que ainda há gente que acha boa ideia fazer, nesta altura do ano lunar, uma festa da parvoíce, com gente mascarada de princesa, fada, bruxa, palhaço e, sobretudo, homens orgulhosamente vestidos de mulher. Fazem-se desfiles e gastam-se rios de dinheiro para fazer estas festinhas da saloíce e o povo gosta. Há, inclusivé, gente que tira férias, porque sabe que se embebeda na véspera da ante-véspera e só pára de vomitar 15 dias mais tarde.

Mas não está tudo perdido, diga-se. Muitas velas se acenderam, muitas orações foram feitas e algumas delas foram atendidas: no carnaval de Torres Vedras, o corso escolar foi cancelado. Pelo menos essa conquista foi feita e salvaram-se, segundo o que dizem os jornais, mais de oito mil constipações entre as crianças. A vasta equipa que realiza e leva até si este blog, composta por um ferro de engomar chinês, duas centrifugadoras Moulinex, um padre irlandês, um picador de gelo, cinco soldadinhos de chumbo e uma girafa do Aconcágua, mantém a secreta esperança de que tudo continue assim e, até, que se torne bastante pior. Esperamos que os céus se abram e que caia chuva, neve, gelo, um satélite russo desactivado, duas antenas parabólicas e um homem-bala do circo Chen. Pode ser que os melões passem de oito mil para os 200 mil papalvos que são esperados em Torres Vedras.

Entretanto recebemos a notícia de que também houve um cancelamento no carnaval de Loulé, mas podemos jurar a pés juntos (porque com os pés afastados não conta) que não tivemos nada a ver com isso e que não temos intenção de reivindicar esse atentado. O frio e a chuva cancelaram o desfile em Loulé, o que nos parece uma pena, tendo em conta que devia ter cancelado todo o carnaval em si. Não sabemos de quem é a culpa, mas suspeitamos que a responsabilidade do sucedido é da ETA e da sua célula activa em Boliqueime.

Agora vamo-nos deitar com o saco de água quente e cobertor eléctrico, porque está frio. Antes disso vamos beber um copinho de leite e escovar os dentes, mas isso só quando conseguirmos parar de rir.
o

Tuesday, February 02, 2010

O que aconteceu em Sanabria só foi trágico porque ainda sobraram alguns

«Tens que ir a Sanabria, porque aquilo é bestial e lindo e tem umas casas medievais e come-se lindamente e há uns enchidos bestiais», disseram-me em tempos. Agradeci a dica, mas tinha dúvidas que o meu patrão me pagasse a ida a um sítio desses só para ir despachar uma farinheira. E pagar do meu bolso para ir a um sítio qualquer qualificado como «território espanhol» estava fora de questão, a não ser que fosse Cuenca, com as suas bonitas casas dependuradas sobre o infinito, o areal imenso de Formentera ou o quase-marroquino ilhéu de Peregil. Vai daí que há uns dias, assim do nada, o meu patrão telefonou-me a perguntar onde eu andava. Como a resposta foi altamente convincente – «estou debaixo de um fogo cruzado no Afeganistão, chefe! Estou a correr perigo de vida! Vou ter que desligar!», ao que ele disse, «está bem, então despacha-te lá aí no El Corte Inglês que eu tenho um servicinho para ti» – mandou-me de enviado-especial para resolver um problema qualquer com as máquinas de uma fábrica de enchidos. Qual fábrica de enchidos? Uma fábrica de enchidos em Sanabria. Pimba, mesmo em cheio.

Sanabria fica ali, digamos, perto de coisa absolutamente nenhuma. Pergunta-se o caminho e as pessoas explicam: «é ali em direcção àquelas ventoinhas». As ventoinhas são os moinhos de vento gigantes de acumulação de energia eólica que ficam nas imediações de Sanabria. As imediações começam, digamos, em Bragança e acabam em Bilbau, porque o raio das ventoinhas estão espalhadas até perder de vista, o que complica um pouco a tarefa de saber perto de qual ventoinha fica o sítio de que ando à procura. Algures a meio do caminho dei comigo a passar por um lago bonito, pelo menos à primeira impressão, com umas embarcações de recreio na margem, umas árvores a emoldurar, o brilho do sol na água… vista simpática. Resolvi parar e entrar num tasco para beber um café.

- Hola!, sou o Don Quixote, vim à procura dos moinhos de vento. Esqueci-me foi do Sancho Pança, mas queria um café-solo.
(…)
(…)
[o casal de cidadãos castelhanos, muito badalhocos e já acima dos seus cinquentas, entreolha-se com ar assustado… acho que não perceberam a piada e pensam que vão ser assaltados]
(…)
(…)
- Esqueçam. Arranjem-me um cafezinho, sff.
- Café y leche?
- Não, café-solo. Curtinho.
- De onde eres usted?
- Do Uzbequistão. Mas estou cá em trabalho. Ando à procura de Sanabria.
- Ah, solo quedan unos quilómetros. Sigue los molinos de viento.
- Já sei, já sei… como se chama este sítio aqui?
- Ribadelago… es decir, [já traduzido, porque não estou com paciência para o castelhano] a aldeia original ficava ali mais acima, mas ficou debaixo de água e desapareceu quase na totalidade. O senhor nunca ouviu falar da tragédia de Ribadelago?

De facto, eu não tinha ouvido falar em tal coisa. A Espanha em si parece-me uma tragédia do primeiro ao último acto, não tinha ideia que havia uma tragédia específica de Castela & Leão. Então parece que, lá para o meio do século passado, o Franco – um rapaz justo e pluralista que, ao longo dos seus anos no poder, nos fez o favor de privar da companhia de vários espanhóis – mandou construir uma barragem por aquelas bandas, chamada Vega de Tera. As paredes da represa tinham mais de 30 metros de altura, uma coisa imponente que mereceu várias visitas após a inauguração. Umas dezassete pessoas, consta. Das quais 5 eram fiscais da companhia de electricidade. Ora a barragem foi, ao que parece, construída com paus-de-fósforo e pastilha-elástica, porque ao fim de três anos sucumbiu às chuvas torrenciais. O que não deixa de ser estranho, tendo em conta que as barragens servem para… hum… segurar (e usar) a força das águas. As paredes abriram uma racha de 70 metros na horizontal e foi o salve-se quem puder. E, pelo que dizia no quadro que o café tinha pendurado na parede, só puderam salvar-se uns 25 espanhóis. Franco andava a ficar desleixado. De qualquer maneira, nada disto explica como é que uma barragem cedeu daquela maneira.

- Mas nesses dias estava muito frio. Uns 18 negativos. E havia água a mais na albufeira da barragem – explicou o senhor do avental com ar de que nunca viu o tanque da roupa na vida.
- Está bem, joder!, mas quanto muito a água transbordava por cima, não rebentava com as paredes da barragem.
- Impossível. Era água a mais. O desfiladeiro que vai daqui à aldeia antiga ficou inundado em menos de quinze minutos. Nem as árvores sobraram. Foi de tal maneira que o lago da Sanabria, nascido nesse dia, ainda está aí à frente dos seus olhos. Consta que alguns corpos ainda estão lá no fundo.
- Macabro, chico. Podias ter evitado contar-me esse bocadinho.
- Mais macabro foi passar por isso tudo...
[tinha negligenciado o facto deste distinto senhor ter ar de quem é contemporâneo da tragédia, que disse ter sido em 1959]
- Imagino a dor das pessoas…
- Foi muy difícil…
- Que idade tinhas?
- Nueve.
- Caramba… e lembras-te bem?
- Não. Eu nem sequer sou daqui. Nasci em Cádiz.
[odeio espanhóis…]

Isso da barragem não ter resistido ao frio do Inverno parece-me má desculpa. É que tem estado um frio dos diabos! Isto, claro, se houver diabos na Sibéria, porque toda a gente diz que isto é uma vaga de frio siberiano. Pois seja lá de onde ele vem e para onde quer que vá, espero que se despache porque ontem dormi dentro do frigorífico, onde estava menos frio do que cá fora. E apesar deste frio de rachar, que eu saiba não andam por aí barragens a rachar ao meio.

No banco, em frente ao lago, estava um velhote castelhano. Sossegado, olhos postos não se percebe bem em quê (não dava mesmo a ideia de que a paisagem se fosse mexer nos próximos 200 anos), pacato, a pedir conversa de um parvo como eu. E eu, parvo, fui meter conversa.

- Hola. Bonito este lago.
- É…
- Vem de um rio?
- Sim. Do rio Tera. Mas veio aqui parar depois.
- Como assim?
- Foi o imperador Turpin, um bispo maléfico que queria a cidade à força.
- Mas porquê? Quem é esse? O que é que ele fez?
- Ele queria tomar o poder da cidade por causa dos palácios e do castelo e porque a igreja era uma das mais bonitas da altura. E porque andava de amores com uma gaiata de Zamora.
- Mas e então? Chegou e fez o quê?
- Organizou um exército e parou à porta da muralha da povoação e gritou até que lhe entregassem a cidade. Então invocou o nome de Deus e o chão abriu duas enormes brechas que inundaram a cidade.
- E isso foi quando?
- Na Idade Média.
[dois espanhóis, duas histórias diferentes; posso odiá-los à vontade ou não?]

Com esta converseta toda perdi ainda mais tempo para encontrar a fábrica das chouriças. Mas lá dei com aquilo, ficava sensivelmente a meio-caminho de lado nenhum. Fui recebido por uma senhora baixinha e gordinha, luzidia como uma porca e toda vestida de branco. Toda, quer dizer… toda menos os braços sardentos, totalmente descobertos. Eu de sobretudo e a castelhanita de manga curta. Estendeu-me o sorriso e um aperto de mão tão gorduroso que estive capaz de lhe pedir um frasquinho para armazenar a colheita e fritar uns rissóis quando chegasse a casa. Perguntei-lhe pela máquina e ela levou-me para o sítio onde se guardam as chouriças, as farinheiras, os paios, as morcelas de arroz e as linguiças. De caminho perguntei-lhe se sabia a história da tragédia do lago de Sanabria, ela acenou com os caracóis encardidos que sim.

- Ficou tudo inundado, não foi? – perguntei eu como se não soubesse de grande coisa.
- Pois foi…
- Mas porque foi?
- Em tempos passou por aqui um mendigo a pedir esmola. Estava frio, ele queria aquecer-se e estava quase morto de fome. Ninguém o acudia.
- Mau… o que tem isso a ver?
- Tem que umas senhoras que estavam a cozer pão pegaram nele, levaram-no para o pé do forno para ele se aquecer, e pediram que esperasse porque lhe dariam qualquer coisa para ele se alimentar. Então o pão que saiu de dentro do forno era tão grande e tão saboroso como nunca tinham sido capazes de cozer. E o mendigo era afinal Jesus Cristo, que se ergueu e disse que ia castigar aquele povo que não o atendeu, inundando as suas casas…
- (ai… estou com medo de saber o resto)
- …então ele cravou o seu cajado no chão e gritou para que as paredes da represa ruíssem. E a povoação ficou debaixo de água.
- E quando aconteceu isso?
- Uns anos depois de Cristo morrer.

Não creio que haja um motivo muito racional para eu odiar espanhóis. Mas pelo que sei hoje, não precisa haver. Odeio-os e pronto.


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Friday, January 08, 2010

Carnaval de Torres Vedras 2010: nomeado para o prémio «carnaval mais estúpido do mundo»

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É já um clássico e não podia faltar: aproxima-se o carnaval de Torres Vedras 2010, o momento alto do calendário gregoriano. Momento alto porque, nestes dias, vai tudo ao gregório.

Com ele, vem também um chorrilho de barbaridades, a maior parte das quais publicadas aqui mesmo, nestas linhas. Não apenas aquelas que eu próprio escrevo, mas também aquelas das pessoas que vêm aqui, aqui e aqui, comentar, de forma irada, os disparates que nestas linhas são escritos.

O carnaval de Torres Vedras de 2010 está nomeado para a categoria «carnaval mais estúpido do mundo» e tem todas as hipóteses de vencer. Vai lutar taco-a-taco com o carnaval de Veneza e estes são os dois mais fortes candidatos ao prémio, curiosamente pelos mesmos motivos: o de Veneza leva a dianteira porque, apesar das cheias e das chuvas torrenciais em Itália, vai mesmo para a frente; e o de Torres Vedras segue-o de perto na pontuação porque, apesar das cheias e das chuvas torrenciais na região Oeste de Portugal, vai mesmo para a frente. O carnaval de Torres Vedras tem um trunfo de última hora que pode influenciar largamente a votação do público, que é o facto da sua benemérita organização ter um barracão-voador que se despenhou apenas depois de alguns minutos ao serviço da companhia. Tinha sido inspeccionado no mês passado e não havia nada de errado com o trem de aterragem, de modo que será preciso encontrar as caixas negras para apurar as razões do desastre aéreo.

O tema do carnaval de Torres Vedras de 2010 é «invasões». Ainda não se percebeu de quê, mas eu suspeito que vai haver uma invasão de gente parva em Torres Vedras. Tenho o pressentimento que é capaz de ser por isso.

Este será o último carnaval de Torres Vedras a realizar, depois disso o carnaval de Torres Vedras acaba. Isto porque a organização já anunciou que o tema de 2011 é «Selva», de maneira que deixa de ser um carnaval como sátira social e passa a ser a vida real de Torres Vedras, que é uma selva em qualquer outro dia do calendário e, em especial, no carnaval.

Aguardam-se, portanto, com ansiedade redobrada as últimas edições das grandes tradições do carnaval torreense: o corso diurno, o corso trapalhão, o concurso nacional de homens vestidos de mulheres, a tentativa de entrada no Guiness de maior quantidade de vómito acumulado na mesma cidade, o desfile de brasileiras e brasileiros que nunca podem participar no carnaval de Torres Vedras mas participam sempre, os carros alegóricos, a música em altos berros e, no fundo, a estupidez generalizada.

Bem hajam a todos e desejo a todos que o menos mau que vos possa acontecer nesta edição do carnaval de Torres Vedras seja um surto de Gripe A.
o

Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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