Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Friday, March 26, 2010

Vendemos cocos, vendemos água, vendemos areia da praia, vendemos o sol, até vendemos a mãe se prometerem que nos pagam


Ainda não são quatro da tarde e o sol ameaça baixar para só voltar na manhã seguinte. Mas hoje, especificamente neste dia, agradeço que o faça. Até as pessoas de cá estão com calor, o que não deixa de ser surpreendente, tendo em conta que, para eles, um dia de Verão com 35 graus Célsius é um dia fresco e um dia com 27 graus é um Inverno rigoroso. Pois estavam 44 à hora do almoço. E 32 às 7h30 quando fui dar o primeiro mergulho, porque já não aguentava de calor.

Chamam-lhe Terra de Vera Cruz, o que é um logro. Parece que o Pedro Álvares Cabral, quando escolheu o nome para este pedaço de terra, achava que tinha encalhado numa ilha, que chamou de Santa Cruz. Quando descobriu que, afinal, o areal era maior que a Europa, resolveu emendar, dizendo que os indígenas é que tinham percebido mal: «não é Santa Cruz, seus arraçados de ciganos! É Vera Cruz! Vera! Quem é que disse que era Santa, pá?!». Para mim, não é terra de santa nem de vera. Para mim, é terra do bafo. Faz um calor que não se aguenta.

O que tem de mais espantoso um mergulho às sete da matina, para além do facto de ficar com a ideia que alguém mandou aquecer o oceano para eu poder tomar banho, é ver os empregados das barracas de praia a varrer. A varrer a barraca? Não, claro que não. A varrer a praia, mesmo. Um rapaz, bronzeado e mal arranjado de cara, estava a limpar o areal em frente ao estabelecimento comercial e junto aos chapeuzinhos-de-palha. A varrer o lixo? Também não. Estava a varrer os limos. Acho que nunca ninguém lhe explicou que os limos, apesar do aspecto de peruca de bruxa ou de damaiense com o cabelo por lavar há três anos, são organismos vivos. São algas, para todos os efeitos, e utilizam a sua própria energia para fazer a fotossíntese. Mas para o Júnior, que se lixe, é tudo lixo. Pelos vistos, para o patrão dele também, porque estava aos gritos com ele, que eram quase oito da manhã e o areal ainda não estava limpo. Disse-o agitando vigorosamente o balde onde ele devia amontoar o lixo. Os limos, portanto. E gritou com ele em voz alta, num português que não era nem português do Brasil, nem português do Algueirão, nem português da Suécia. Era português da Jamaica. O dono da barraca de praia nasceu em Kingston, mudou-se para Tenerife, conheceu uma portuguesa de Faro, foram viver juntos para os Barbados até ficarem falidos e finalmente radicaram-se no Brasil onde montaram uma barraca de praia. Vivem lindamente e dormem numa espécie de mezzanine em madeira por cima da copa (quer dizer, acho que dormem, não fui lá confirmar). Um casal estranhíssimo: ele é magrinho, negro, mais escuro que a noite sem lua, e só veste linho do mais branco que eu já vi; ela é branquinha, alta, avantajada, cabelo moreno, longo e encaracolado; ela pinta, desde os paus da barraca a quadros lindíssimos que ficariam mal em qualquer parede; ele grelha uns robalos ao sal bestiais.

Lá pelas dez da manhã, depois de um magnífico pequeno-almoço de frutas de todas as cores e sabores – incluindo acerola, uma fruta bestial, parecida com a cereja mas com cheiro a maçã e sabor pior que o de um limão – resolvi explorar essa tal de praia em frente ao hotel. É uma praia que, para terem uma ideia, começa numa baía situada uns quatro quilómetros para norte e acaba, digamos, na Argentina. No entanto, de uns 500 em 500 metros há uma barraca de praia e, só por isso, o areal ganha logo um estatuto diferente. E passa a ter outro nome, também. Apesar de ser rigorosamente o mesmo areal, sem pontões nem rochas pelo meio, a praia do Serpenjão e a praia do Arimogim são duas praias diferentes (peço desculpa, mas os nomes das praias são fictícios, não me lembro dos nomes verdadeiros; a minha memória já não é o que era e, antes, pelo menos tinha uma película magnética que gravava as informações pertinentes; hoje é apenas um alguidar cheio de trampa sem interesse). Investi em mais um mergulho naquelas águas magníficas, aquecidas como se fosse uma sopa para canibais. No entanto, como a minha pele é quase tão bronzeada como a de um inglês que nunca saiu de Stratford, achei mais prudente garantir um lugar à sombra para não ficar a parecer um lagostim quando tivesse que ser apresentado ao governador, nessa mesma noite.

- Júnior! Tem lugar à sombra?
- Ô doutor, aqui só não tem é dinheiro – disse o tal do Júnior, enquanto tirava a sua t-shirt e exibia o corpo tão musculado como uma saca de cimento esquecida numa obra desde 1982. Confesso que tive medo. Pensei que ele tinha entendido mal e queria utilizar-me para qualquer fim carnal à sombra de uma palhota, mas afinal não. Ele tirou a camisola para pendurar no chapeuzinho e marcar como ocupado. Passado dois minutos apareceu com uma t-shirt nova. Parece que é adereço do estabelecimento comercial: em vez de marcar os lugares com um «reservado», marcam com um trapo dependurado. Está certo. Tentei sossegar por ali uns minutos, sentadinho, a tentar respirar a atmosfera de tanto mar à minha frente e tanto sol por cima do chapéu-de-palha. Tentei, apenas. Primeiro, não estava a ser capaz de respirar em condições, porque o bafo seco da temperatura estava a bloquear-me as tubagens de amianto que servem o meu sistema respiratório artificial; segundo, porque ao fim de três minutos já tinha tido que aturar vendedores de pulseiras, colares, anéis, brincos, relógios, óculos, biquínis fio-dental (haviam de me ficar um espectáculo!), tatuagens, queijo derretido, algodão doce, alcatifas, chapéus, CD’s de música pimba, iguanas embalsamadas, colheres-de-pau-brasil, camarão-em-espetada e água de coco. Um deles tentou convencer-me a contratar os serviços de uma menor e outro sugeriu que a sua própria mãe pudesse ser a minha guia turística durante a minha estadia, o que deu todo um novo sentido à expressão «vender a própria mãe». Quando apareceu a senhora que queria pôr-me umas missangas no cabelo, achei que era demais e fui para um mergulho.

- Júnior, tem caipirinha? – perguntei quando voltei ao chapéu-de-palha.
- Ô doutor, aqui só não tem é dinheiro.

Uma refrescante bebida e mais uma animada ronda de rejeição a todos os vendedores de tralha que insistiam em incomodar-me e lá veio o cheiro a peixe. Grelhado, bem entendido. O dono da barraca de praia estava a começar a grelhar peixe para o almoço – eram isto umas onze-e-meia da manhã. Bestial, era mesmo o que me apetecia.

- Júnior, tem peixe para o almoço?
- Ô doutor, aqui só não tem é dinheiro.
- Mas que raio, porque é que me chamas doutor?
- Doutor, não fique embestado com o que vou perguntar, mas quantos reais tem na carteira?
- Hum… não sei, uns 100 – disse eu, desconfiado.
- Então desculpe, doutor, mas, aqui no Brasil, quem tem 100 reais para passear na carteira, é doutor.

Júnior é o arquétipo do brasileiro moderno que não vive nem nas favelas, nem nos condomínios das grandes cidades. Coincidentemente, é o mesmo tipo de brasileiro que existe no Brasil há uns 40 anos, porque eles não evoluíram lá muito. É feio, muito moreno de pele e todos os dias veste a mesma coisa: chinelo, calção de ganga coçado e tronco nú. Só veste a t-shirt quando tem que marcar mesa a alguém. «Júnior» nem deve ser o nome dele, deve chamar-se exactamente o mesmo que o pai, simplesmente chamam-lhe de «Júnior» para se diferenciar. Um dia, quando tiver um filho, vai dar-lhe um nome qualquer, mas toda a gente o há-de conhecer por «Júnior». Como qualquer brasileiro, faz tudo por dinheiro, mas foi honesto o suficiente para me recomendar um amigo quando eu lhe perguntei se queria ser o meu cicerone durante o tempo em que eu não teria que ir trabalhar. O amigo foi muito prestável: Júnior assobiou e o amigo apareceu passado cinco segundos [desconfio que estava escondido ali por perto à espera desse sinal]. Eis o amigo do Júnior à minha frente, a chamar-me doutor e a perguntar-me o que quero conhecer, se quero praia ou campo, cultura ou lazer, noite ou dia. Prestável. Como se chamava o amigo do Júnior? Júnior.

Mas tenho que reconhecer que foram os 100 reais mais bem gastos de toda a visita. Muito mais bem gastos que os 4 reais que gastei no acarajé, uma especialidade feita com massa-de-feijão, frita, tipo rissol, com recheio de uma massa de camarão e frango. A gordinha que mo vendeu disse que era uma especialidade da Bahia e perguntou-se se eu queria «quente». Eu respondi que sim, porque comer rissol frio parece-me indegesto. Mas «quente» queria dizer que o recheio teria, também, um pouco de vatapá, uma mistela feita com fubá e pimenta-malagueta, picante como o raio! Tossi catorze vezes e tentei dizer obrigado, o que não consegui porque as minhas cordas vocais são sensíveis – na verdade, não é uma membrana vocal porque essa ficou destruída no atentado à embaixada do Malawi na Tanzânia, hoje restam apenas dois fios de polyester presos por arames de aparelho dentário.

O Júnior amigo do Júnior foi impecável, explicou-me como podia alugar um carro, mostrou-me uma reserva natural onde as tartarugas se alimentam nas rochas e dão à luz no areal, ajudou-me a alugar um barco para ir longe da costa pisar um recife verdadeiro, comeu metade do meu almoço e ainda me perguntou se eu queria que ele contratasse algumas meninas para me fazerem companhia numa danceteria nessa noite. Obrigado, Júnior, mas por muito que a ideia pudesse parecer boa, eu tenho compromissos de estado. À tarde explicou-me como chegar a uma reserva de índios, que ficava a cinco minutos dali indo numa chata, atravessando o rio, ou então indo dar a volta pela «pista», sinónimo de única estrada asfaltada das redondezas, que me obrigaria a fazer mais 30 km. Olhando para o ar robusto e plenamente íntegro da balsa onde supostamente teria que pôr o carro em cima, achei mais prudente ir pela estrada. Bem me arrependi, porque demorei mais de 45 minutos e ainda me cruzei com uma patrulha da polícia, que me mandou parar.

- Boa tarde, posso ver o documento e a licença de condução?
- Huh… desculpe, mas lamentavelmente eu deixei os meus documentos no hotel. Nem parece meu. Mas não os quis levar para a praia para não os perder e acabei por não os trazer para cá e nem precisei deles para alugar o carro porque ficou tudo na conta do hotel…
...
- Oi?
- Deixei… os documentos… no hotel [dito com sotaque: «dei-xéi… us dócumeinto… nu hôtéu»]
- Ah, tá bom… - disse o polícia, enquanto eu imaginava já um devastador incidente diplomático que dali iria resultar.
- Seu colega aí do lado não tem documento?
- Ele tem.
- Então troca.

Assim? Tão fácil? Parece que sim. O Júnior explicou-me que o polícia, no Brasil, serve para prender vagabundo e não para chatear turista. O que ele não sabia é que o Júnior sabe guiar, mas também não tem carta. Pouco importa. Ele nem se deu ao trabalho de confirmar.

Então lá chegámos a um sítio onde os índios se vestem de índio, andam pela rua como índios, levam paus na mão como índios e pedem 1 real para tirar uma fotografia com eles como índios. Mas vá, o Júnior diz que são mesmo índios ou pelo menos descendentes das últimas famílias de verdadeiros índios que existe no Brasil. Explicou-me que aquela comunidade vive ali em regime aberto (isto é, a sociedade pode lá ir tomar contacto com eles), mas raramente sai dali. Têm tudo: as suas casas de palhota, as suas caldeiras para fazer comida, as suas lojas de recordações e flautas índias, as suas bancas de venda de CD de música tradicional índia, um centro de reflexão e uma escola para as crianças. Ali se aprende a falar o idioma do país, mas a pedagogia tem uma forte componente cultural, para que as crianças índias nunca percam a noção das suas raízes. Resolvi aproximar-me de um grupinho de crianças.

- Titio, dá caneta p’ra mim.
[«Titio»?? Querem ver que já cá tinha estado?? Ou alguma das minhas aventuras na Europa veio dar descendência aqui??]
- Er… eu não tenho canetas.
- Tem não?... E esse Samsung na sua mão? Tem mais?
[Samsu… hem?!… são índios, mas sabem o que é um telemóvel de terceira geração só de ver os botões?]
- Dá um real p’ra mim.
- Dá p’ra mim, titio.
- Dá mim.
- A mim.
- Compra um sumo p’ra mim.
- Titio, compra um pão p’ra mim.

[AAAAAAAAAAHHHHHH… tirem-me daqui!!!...]

Esta situação deu-me pena. Durante dois minutos e meio, pelo menos. Depois o Júnior explicou-me que eles são ensinados pelos pais a extorquir tudo o que puderem dos turistas e então a pena passou-me num instante.

É um sítio fantástico e tenho dúvidas que se possa fazer maior elogio da praia do que num lugar assim. Mas eu gosto mais da minha cama de rede nas Comores e do ar condicionado dentro da barraca. Sem ofensa.
o

1 comment:

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Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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