Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Thursday, July 24, 2008

Wrocław tem um «L» cortado e um senhor com a pila à mostra

Há sítios que não parecem deste mundo. Locais onde a Terra acabou, deixou de existir como a conhecemos, tudo é estranho e diferente, como se fosse de outro planeta. E isto acontece com mais frequência do que imaginamos. Entrando em Barcelona pela Avenida Diagonal, por exemplo, parece que entrámos numa infinita galeria de arte, com elementos visuais de todas as formas e estilos, gente de todas as cores, prédios de todas as raças. Subir até ao Arco do Triunfo, em Paris, deixa a sensação de estarmos num filme do Claude Lelouch (claro, o «Rendez-Vous à Paris» pesa demasiado no subconsciente). Sair da via rápida da Caparica em direcção à Trafaria deixa a sensação que estamos a sair de um subúrbio miserável de uma grande cidade para entrarmos num acampamento de ciganos. São cenários estranhos, às vezes desenquadrados da realidade anterior.

Acontece mais ou menos isto com uma cidade chamada Wroclaw, na Polónia. A começar pelo nome: escreve-se «Wroclaw», mas lê-se «’róclô», isto se for dito por um polaco; se for dito por um alemão, diz-se «Breslau»; se for um checo diz «Vratisláv»; se for um português pode dizer «Vratislava», mas depois pode ter a certeza que vai ser considerado idiota porque «Bratislava» é uma cidade na Eslováquia que fica a quase 500 km dali. Por esse motivo, preferi passar o tempo a dizer «Vróclav» com o mais fino sotaque de Corroios, para ninguém me entender mal. Para além disso, é bem capaz de ser o único nome de cidade no mundo que se escreve com um «L» cortado. Com este: «ł». Palavra de honra. Escreve-se «Wrocław». Nem todos se podem orgulhar disto, de maneira que a partir deste parágrafo vou passar o tempo a escrever «Wrocław» como deve ser.

Wrocław parece, como dizia, fora do tempo e do espaço. Quem vem da Alemanha, mesmo da parte oriental, fica sempre com a ideia que deixou o seu planeta-natal e entrou em Júpiter. Porquê? Bom, a começar porque, regra geral, cheira mal. Na atmosfera de Júpiter há amónia e metano, na atmosfera de Wrocław também. Imagine-se: saímos de Berlim Leste, que já de si parece um bocado Reguengos de Monsaraz em fusão com a Holanda dos anos 40, e entramos numa dimensão à parte, com campos de cereais a perder de vista tipo Russell Crowe no «Gladiador», mas com uma coloração mais para «Uma Casa na Pradaria», como se o sol queimasse a película do filme. Quase que ia jurar que vi o gajo que fazia de «Anjo na Terra» a correr por ali abaixo.

- «Comeste alguma coisa estragada?», pergunta o meu companheiro de viagem
- «Como assim?», foi a minha resposta incrédula
- «Cheira mal», disse ele
- «E que culpa tenho eu disso??!»
- «Podias estar mal da barriga», justificou ele
- «Não, não estou mal de lado nenhum»
- «Cheira a ovos podres...», disse ele, instantes antes de eu dizer
- «Olha, uma placa a dizer Wrocław»...

Cheira mesmo mal. Não entendo. A única explicação é a possibilidade do cheiro vir do rio Odra. Mas, pelo aspecto, não deve ser dali. O rio é tão limpo que merecia bandeira azul. Industrialmente, não há muito por onde pegar. Wrocław não tem fábricas mal-cheirentas e os principais focos de poluição vêm das linhas de produção de comboios de duplo carril e dos chips para a indústria electrónica. De repente, já em pleno centro da cidade, o mau cheiro adensa-se. Em breve, tudo fica explicado: uma famosa empresa portguesa de construção civil foi contratada para fazer umas obras gigantescas ali mesmo e a nuvem de poeira com aspecto de ameaça química não deixa grandes dúvidas sobre a origem do perfume.

Wrocław é conhecida pelas suas universidades (algumas das melhores da Europa, dizem), por uma estátua de um gajo com uma espada na mão e a pila à mostra e pela bonita praça central, chamada Rynek e que dizem que contém alguns dos mais belos edifícios históricos da Europa. Um sítio que até podia parecer ainda melhor, se mesmo no centro da praça não tivesse montado um mega-estádio com capacidade para 5 mil pessoas se sentarem a ver, num ecrã gigante, os jogos da selecção polaca de futebol. Não falta uma tendinha com jogos de matraquilhos e barranquinha de cerveja para beber de pénalti.

Resolvi descansar uma horinha no hotel, porque vinha amassado de uma penosa viagem de cinco horas e meia de avião com aquela que se auto-proclama «a companhia charter líder do mercado polaco». Tendo em conta que não existe outra, é bem capaz de ser mesmo líder. Acordei quando o dia já se tentava escapar pelo horizonte e resolvi ir dar uma volta, para procurar um sítio para petiscar qualquer coisa. As ruas que ligam à praça central estavam desertas, não se via ninguém. Pudera, estavam todos no estádio improvisado a ver um jogo de futebol e os que não arranjaram lugar estavam nas esplanadas circundantes a entornar cerveja em copos de plástico. Estive um bom bocado para conseguir arranjar mesa para me sentar, algures entre os sete e os doze minutos, o que, tendo em conta a paciência que costumo ter para ficar à espera do que quer que seja em qualquer sítio, posso considerar quase um recorde. Finalmente sentaram-me numa mesa de esplanada e trouxeram-me um menú todo escrito em Wrocławês. «I can’t read polish», tentei fazer-me ouvir entre os gritos «Polska! Polska!». O empregado fez dois ginetes com a cabeça para cima e para o lado, tirou-me a lista da mão e foi para dentro. Voltou uns cinco minutos depois com cara de quem tinha perdido à bisca e trouxe-me uma cerveja. Tendo em conta que a selecção polaca tinha acabado de sofrer um golo, achei mais prudente fingir que era aquilo mesmo que eu tinha pedido.

Antes de ir para o jantar que estava marcado dei mais uma volta pela praça e seus circundantes. Entretanto, o jogo acabou. As ruas começam a encher-se de gente a andar em todas as direcções, uns com camisolas da equipa deles, outros com cachecóis, e todos, mesmo todos, com um grande melão. A Polónia tinha perdido. Num assomo de crueldade invulgar até mesmo para mim, resolvi perguntar o resultado a um grupo de gente jovem com ar de que sabia falar inglês. «We lost 2-0», disse um rapaz antes de me perguntar de onde eu era. O momento em que lhe contei de onde vinha devolveu-lhe o sorriso à cara: «oh, you and your Cristiano Ronaldo, you lost with us, remember?». Achei que se calhar era altura de ir jantar.

Disseram-me que o jantar seria uma combinação de pratos tradicionais Wrocławenses. Porreiro. Ao menos que sirva para ficar a conhecer mais qualquer coisa. Começamos por uma sopa que se chama «żurek» e que, para não variar, tem uma letra esquisita no nome: aquele «ż» com um pontinho em cima da cabeça. Vem em cima de uma bandeja e a primeira impressão é assustadora – é um pão que tem o tamanho de uma abóbora, está cortado na parte de cima e, lá dentro, tem a sopa tradicional. Digo-vos só que sabe infinitamente melhor do que aquilo que o aspecto permitia antever. O resto do jantar meteu «pierogi», uma espécie de ravioli gigante recheado com queijo e carne e outras porcarias e polvilhado com uma treta parecida com soja que não consegui identificar, juntamente com «zrazy», uma misturada feita de carne que também leva bacon, cogumelos e pepino, acompanhada de «mizeria», uma salada que leva pepino e aipo e que, como o próprio nome indica, sabe quase tão mal quanto o aspecto que tem. Para sobremesa serviram um cheesecake tradicional chamado «sernik» e um bolo tipo esponja, recheado, horrível, chamado «makowiec».

Apesar de parecer uma cidade deslocada do mundo, Wrocław acaba por ter algumas coisas familiares. Pessoas com muito mau aspecto, por exemplo. Há disso por todos os lados. Lixo no chão, também. Carros estacionados em cima do passeio, paredes riscadas com grafittis imperceptíveis, gente a passar com o rádio do carro em altos berros, bosta de cão em quase todos os passeios e até vendedores de mercadoria contrafeita. Apercebi-me que não há uma estrada que não tenha um buraco enorme e, juntando a memória de ter visto aquela obra feita por uma empresa que me era bem familiar, senti um arrepio na espinha por pensar que, afinal estava em Portugal.

3 comments:

Anonymous said...

Well, all I can say is. Im hungry.

meldevespas said...

"saímos de Berlim Leste, que já de si parece um bocado Reguengos de Monsaraz em fusão com a Holanda dos anos 40".....e pergunto eu?..Porquê? Minha bela Reguengos de Monsaraz!

Edmund said...

Reguengos de Monsaraz? Belíssima, pois claro! O problema é quando se funde com a Holanda dos anos 40... é como o tecnofado - um sem o outro até se entende

Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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