Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Tuesday, February 02, 2010

O que aconteceu em Sanabria só foi trágico porque ainda sobraram alguns

«Tens que ir a Sanabria, porque aquilo é bestial e lindo e tem umas casas medievais e come-se lindamente e há uns enchidos bestiais», disseram-me em tempos. Agradeci a dica, mas tinha dúvidas que o meu patrão me pagasse a ida a um sítio desses só para ir despachar uma farinheira. E pagar do meu bolso para ir a um sítio qualquer qualificado como «território espanhol» estava fora de questão, a não ser que fosse Cuenca, com as suas bonitas casas dependuradas sobre o infinito, o areal imenso de Formentera ou o quase-marroquino ilhéu de Peregil. Vai daí que há uns dias, assim do nada, o meu patrão telefonou-me a perguntar onde eu andava. Como a resposta foi altamente convincente – «estou debaixo de um fogo cruzado no Afeganistão, chefe! Estou a correr perigo de vida! Vou ter que desligar!», ao que ele disse, «está bem, então despacha-te lá aí no El Corte Inglês que eu tenho um servicinho para ti» – mandou-me de enviado-especial para resolver um problema qualquer com as máquinas de uma fábrica de enchidos. Qual fábrica de enchidos? Uma fábrica de enchidos em Sanabria. Pimba, mesmo em cheio.

Sanabria fica ali, digamos, perto de coisa absolutamente nenhuma. Pergunta-se o caminho e as pessoas explicam: «é ali em direcção àquelas ventoinhas». As ventoinhas são os moinhos de vento gigantes de acumulação de energia eólica que ficam nas imediações de Sanabria. As imediações começam, digamos, em Bragança e acabam em Bilbau, porque o raio das ventoinhas estão espalhadas até perder de vista, o que complica um pouco a tarefa de saber perto de qual ventoinha fica o sítio de que ando à procura. Algures a meio do caminho dei comigo a passar por um lago bonito, pelo menos à primeira impressão, com umas embarcações de recreio na margem, umas árvores a emoldurar, o brilho do sol na água… vista simpática. Resolvi parar e entrar num tasco para beber um café.

- Hola!, sou o Don Quixote, vim à procura dos moinhos de vento. Esqueci-me foi do Sancho Pança, mas queria um café-solo.
(…)
(…)
[o casal de cidadãos castelhanos, muito badalhocos e já acima dos seus cinquentas, entreolha-se com ar assustado… acho que não perceberam a piada e pensam que vão ser assaltados]
(…)
(…)
- Esqueçam. Arranjem-me um cafezinho, sff.
- Café y leche?
- Não, café-solo. Curtinho.
- De onde eres usted?
- Do Uzbequistão. Mas estou cá em trabalho. Ando à procura de Sanabria.
- Ah, solo quedan unos quilómetros. Sigue los molinos de viento.
- Já sei, já sei… como se chama este sítio aqui?
- Ribadelago… es decir, [já traduzido, porque não estou com paciência para o castelhano] a aldeia original ficava ali mais acima, mas ficou debaixo de água e desapareceu quase na totalidade. O senhor nunca ouviu falar da tragédia de Ribadelago?

De facto, eu não tinha ouvido falar em tal coisa. A Espanha em si parece-me uma tragédia do primeiro ao último acto, não tinha ideia que havia uma tragédia específica de Castela & Leão. Então parece que, lá para o meio do século passado, o Franco – um rapaz justo e pluralista que, ao longo dos seus anos no poder, nos fez o favor de privar da companhia de vários espanhóis – mandou construir uma barragem por aquelas bandas, chamada Vega de Tera. As paredes da represa tinham mais de 30 metros de altura, uma coisa imponente que mereceu várias visitas após a inauguração. Umas dezassete pessoas, consta. Das quais 5 eram fiscais da companhia de electricidade. Ora a barragem foi, ao que parece, construída com paus-de-fósforo e pastilha-elástica, porque ao fim de três anos sucumbiu às chuvas torrenciais. O que não deixa de ser estranho, tendo em conta que as barragens servem para… hum… segurar (e usar) a força das águas. As paredes abriram uma racha de 70 metros na horizontal e foi o salve-se quem puder. E, pelo que dizia no quadro que o café tinha pendurado na parede, só puderam salvar-se uns 25 espanhóis. Franco andava a ficar desleixado. De qualquer maneira, nada disto explica como é que uma barragem cedeu daquela maneira.

- Mas nesses dias estava muito frio. Uns 18 negativos. E havia água a mais na albufeira da barragem – explicou o senhor do avental com ar de que nunca viu o tanque da roupa na vida.
- Está bem, joder!, mas quanto muito a água transbordava por cima, não rebentava com as paredes da barragem.
- Impossível. Era água a mais. O desfiladeiro que vai daqui à aldeia antiga ficou inundado em menos de quinze minutos. Nem as árvores sobraram. Foi de tal maneira que o lago da Sanabria, nascido nesse dia, ainda está aí à frente dos seus olhos. Consta que alguns corpos ainda estão lá no fundo.
- Macabro, chico. Podias ter evitado contar-me esse bocadinho.
- Mais macabro foi passar por isso tudo...
[tinha negligenciado o facto deste distinto senhor ter ar de quem é contemporâneo da tragédia, que disse ter sido em 1959]
- Imagino a dor das pessoas…
- Foi muy difícil…
- Que idade tinhas?
- Nueve.
- Caramba… e lembras-te bem?
- Não. Eu nem sequer sou daqui. Nasci em Cádiz.
[odeio espanhóis…]

Isso da barragem não ter resistido ao frio do Inverno parece-me má desculpa. É que tem estado um frio dos diabos! Isto, claro, se houver diabos na Sibéria, porque toda a gente diz que isto é uma vaga de frio siberiano. Pois seja lá de onde ele vem e para onde quer que vá, espero que se despache porque ontem dormi dentro do frigorífico, onde estava menos frio do que cá fora. E apesar deste frio de rachar, que eu saiba não andam por aí barragens a rachar ao meio.

No banco, em frente ao lago, estava um velhote castelhano. Sossegado, olhos postos não se percebe bem em quê (não dava mesmo a ideia de que a paisagem se fosse mexer nos próximos 200 anos), pacato, a pedir conversa de um parvo como eu. E eu, parvo, fui meter conversa.

- Hola. Bonito este lago.
- É…
- Vem de um rio?
- Sim. Do rio Tera. Mas veio aqui parar depois.
- Como assim?
- Foi o imperador Turpin, um bispo maléfico que queria a cidade à força.
- Mas porquê? Quem é esse? O que é que ele fez?
- Ele queria tomar o poder da cidade por causa dos palácios e do castelo e porque a igreja era uma das mais bonitas da altura. E porque andava de amores com uma gaiata de Zamora.
- Mas e então? Chegou e fez o quê?
- Organizou um exército e parou à porta da muralha da povoação e gritou até que lhe entregassem a cidade. Então invocou o nome de Deus e o chão abriu duas enormes brechas que inundaram a cidade.
- E isso foi quando?
- Na Idade Média.
[dois espanhóis, duas histórias diferentes; posso odiá-los à vontade ou não?]

Com esta converseta toda perdi ainda mais tempo para encontrar a fábrica das chouriças. Mas lá dei com aquilo, ficava sensivelmente a meio-caminho de lado nenhum. Fui recebido por uma senhora baixinha e gordinha, luzidia como uma porca e toda vestida de branco. Toda, quer dizer… toda menos os braços sardentos, totalmente descobertos. Eu de sobretudo e a castelhanita de manga curta. Estendeu-me o sorriso e um aperto de mão tão gorduroso que estive capaz de lhe pedir um frasquinho para armazenar a colheita e fritar uns rissóis quando chegasse a casa. Perguntei-lhe pela máquina e ela levou-me para o sítio onde se guardam as chouriças, as farinheiras, os paios, as morcelas de arroz e as linguiças. De caminho perguntei-lhe se sabia a história da tragédia do lago de Sanabria, ela acenou com os caracóis encardidos que sim.

- Ficou tudo inundado, não foi? – perguntei eu como se não soubesse de grande coisa.
- Pois foi…
- Mas porque foi?
- Em tempos passou por aqui um mendigo a pedir esmola. Estava frio, ele queria aquecer-se e estava quase morto de fome. Ninguém o acudia.
- Mau… o que tem isso a ver?
- Tem que umas senhoras que estavam a cozer pão pegaram nele, levaram-no para o pé do forno para ele se aquecer, e pediram que esperasse porque lhe dariam qualquer coisa para ele se alimentar. Então o pão que saiu de dentro do forno era tão grande e tão saboroso como nunca tinham sido capazes de cozer. E o mendigo era afinal Jesus Cristo, que se ergueu e disse que ia castigar aquele povo que não o atendeu, inundando as suas casas…
- (ai… estou com medo de saber o resto)
- …então ele cravou o seu cajado no chão e gritou para que as paredes da represa ruíssem. E a povoação ficou debaixo de água.
- E quando aconteceu isso?
- Uns anos depois de Cristo morrer.

Não creio que haja um motivo muito racional para eu odiar espanhóis. Mas pelo que sei hoje, não precisa haver. Odeio-os e pronto.


o

2 comments:

Helena Teixeira said...

Olé!
Ai o que eu não me ri hoje.Depois de ler sobre as peripécias espanholas,li as do Carnaval de Torres Vedras e alguns comentários(sim por 161 para refutar uma opinião,é dose...lol..)Eu diria que conseguiu a máxima: Amem-me ou odeiem-me,mas escrevam algo :p
Olhe,eu nada tenho contra fazer desfiles e festas de Carnaval,mas nao ligo porque nao gosto.Mas o texto tem 1 fundo de razão,no sentido em que não há dinheiro para recuperar o Oeste,etc..depois do temporal devastador,mas para as loucuras de Carnaval já há.Concordo que aí seja estupidez...Mas no Brasil,é igual:cheias e no entanto Carnaval na mesma.

Aproveito e deixo um convite: participe na Blogagem de Fevereiro do blogue www.aldeiadaminhavida.blogspot.com. O tema é: “O Carnaval e as suas Tradições”. Basta enviar um texto máximo 25 linhas e 1 foto para aminhaldeia@sapo.pt (+ título e link do respectivo blog) até dia 8 de Fevereiro. Participe. Haverá boa convivência e prémios (veja mais no blog da Aldeia)!

Cumprimentos
Lena

Edmund said...

Exma. Helena Teixeira,

- primeiro que tudo, muitos parabéns pelo sentido de humor. É importante não supor que existe uma verdade absoluta sobre tudo. E, se ela existisse, não seria eu o dono dela com certeza.

- segundo que tudo, tem absoluta razão. O carnaval do Brasil é tão ou mais ridículo que o de cá. No entanto, cada um deve procurar divertir-se como pode e sabe, sem fazer mal a ninguém.

- terceiro que tudo, parabéns pelo blog. Está ali um punhado de belas ideias. Peço que me desculpe, mas não posso participar como sugere, porque aqui só se escrevem coisas demasiado tontas para serem levadas a sério.

Obrigado pela visita e desejos dos maiores sucessos.

Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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