Este blog faz mal à saúde. Se conhece alguém com influência ou com um martelo de orelhas, mande fechar este blog. Não se admite tamanho atentado à integridade intelectual dos cidadãos. E à integridade física dos llamas chilenos. Nem que José Carlos Malato faça tanta cura de emagrecimento e apareça todo nú em festas gay mais gordo ainda. E não se admite que não haja quem arranje uma cadeira mais larga para o João Gobern se sentar

Sunday, December 06, 2009

LA is my lady... ta ta ta ta ta...

Tentei em vão localizar o Sinatra nos auscultadores. Faz tempo que não presto as minhas homenagens ao dirty old Frank. Há sempre alguma coisa de imortal na obra dos artistas que já se foram, uma súbita necessidade de zelar por que não se preca o contacto, de os reencontrar na perpétua obra que deixaram. Passa-se mais ou menos o mesmo com o Michael Jackson – agora que se foi, dá vontade de voltar a ouvir as suas músicas. Felizmente, é uma vontade que passa depressa. Basta ouvir o ‘Bad’ e pronto, assunto resolvido. Passa logo a vontade. Curiosamente, nunca tive vontade de reescutar a Amália e faz tempo que já se foi. Há sempre alguém disposto a lembrá-la por mim, numa rádio, num projecto musical fusionisto-sofisticado, num filme, num musical do La Féria, portanto não me parece que ela dê pela minha falta.

Voltando ao Sinatra. Não o encontrei na música de bordo, mas reencontrei-o mentalmente o suficiente para me acompanhar na belíssima descida do avião sobre a Greater Los Angeles. «LA is my lady… ta ta ta ta ta…», canta o Frank dentro do meu cérebro artificial, embalado pela multidão em delírio no Rose Bowl e pelo malte fermentado dos quinze whiskeys que despachou antes de tentar cantar aquela melodia ao vivo. [Perto do final da carreira, Sinatra estava um farrapo. A voz grave e pungente já só era meramente suficiente para falar, e contando que fosse até à hora do almoço. Para cantar, perfeita. Se fosse em playback] Felizmente estava uma tarde maravilhosa de um sol dourado reflectido no alvo das letrinhas mais famosas das colinas de Hollywood. O 747 sobrevooa a imponente Los Angeles como se fosse um pardal ligeiro, o que não deixa de ser surpreendente tendo em conta que estamos a falar do pássaro mais monstruoso e improvavelmente aerodinâmico que anda pelos céus normalmente. E a vista percorre Los Angeles de um lado ao outro, e mais um bocado de Los Angeles a seguir. E depois disso ainda há mais Los Angeles. Quase sem prédios altos. Quase exclusivamente preenchida por propriedades que crescem na horizontal e não na vertical. Sem muros. Com jardins. Com piscinas. Bonito.

Na Greater Los Angeles, uma zona metropolitana umas 200 mil vezes maior que o Lichtenstein e quase 300 milhões de vezes maior que o Colombo [a sério, dei-me ao trabalho de confirmar], vivem treze milhões de pessoas. Mais do que a população da Bélgica. Quase tantas pessoas quantas as que visitaram a Disneyland Paris no ano passado. Quase tantos seres humanos quantos todos os benfiquistas do mundo inteiro. Metade desses treze milhões de Los Angelinos [ou será Los Angelenses? Ou Los Angélicos? O Angélico Vieira que não leia isto, senão ainda lhe dou ideias para uma boys/gays-band…] não são cidadãos americanos. Há uma enorme comunidade oriental, com um peso decisivo de coreanos [para terem uma ideia, a Koreatown, que fica mesmo na zona baixa da cidade, ocupa uns 30 quarteirões], a conviver de forma aparentemente pacífica com mexicanos, peruanos, chilenos, porto-riquenhos, árabes, brasileiros, israelitas, paquistaneses, turcos e portugueses [há sempre um em todo o lado, não há? A caminho de Long Beach até há uma «curva dos portugueses» na estrada de Palos Verdes, que identifica a maior reserva natural da península de… hum… Palos Verdes]. Os motoristas de táxi são coreanos. Não falam uma palavra de inglês, mas percebem tudo. O dispatcher – um tipo fardado que chama os táxis e distribui as pessoas pelos carros à porta do aeroporto – é peruano e fala inglês quase tão bem como a minha mãe. [O domínio do idioma que a minha mãe possui alterna entre o «yes», o «ou-quei» e o «pénk-iú»]. O chefe do dispatcher é filho de pais jamaicanos. É o único que sabe falar inglês, apesar do bagaço lhe toldar a pronúncia.

Fico com o pressentimento que o LAX é o mais caótico pedaço de civilização que existe no mundo inteiro, com excepção de Atenas e Istambul. E da Fonte da telha. É um aeroporto enorme, confuso, em obras, desorganizado, a precisar de mais obras, labiríntico e a precisar de obras por causa das obras que já decorrem. São 45 minutos para conseguir passar pelo controlo de passaporte e outros 40 para conseguir descobrir a mala de viagem, que entretanto anda às voltas num dos tapetes esmagada por outras 7621 malas que chegaram de outros 43 voos. Depois mais um quarto de hora para passar pela alfândega. Finalmente entro na torrente dos passageiros que acabaram de chegar e se dirigem para a zona onde os familiares os esperam, que é quase tão grande como… a sala de espera de um consultório. Centenas e centenas de pessoas amontoam-se à espera de ver a cara do cidadão por que esperam. E eu, naquela confusão toda, era suposto ter encontrado alguém com um cartaz com o meu nome. Não encontrei, obviamente. Tive que ir ao balcão de informações, de onde fui sendo encaminhado para umas quinze pessoas diferentes. Finalmente fui dar com um senhor fardado com uma camisa branca com um grande «LAX» azul bordado no peito. Tinha um crachá pendurado numa fita dos… Los Angeles Lakers [eu devia ter desconfiado…]

- Tens a certeza que estava aqui alguém com um cartaz com o teu nome?
- Não tenho, mas foi o que me foi garantido pela senhora que tratou desta viagem.
[Se eu tivesse a certeza, não te estaria a perguntar por ele, pois não?]
- Como é que te chamas mesmo?... Edmund… OK… eu vou pedir que procurem pelo gajo do cartaz com o teu nome.
[Foi falar com outras pessoas. Estão com ar de que viram o tipo que eu procuro]

- Parece que já sabem onde ele está. Espera mais uns minutos.
- Eu espero…
[Praí uns dois. Ao terceiro minuto apanho um táxi porque estou a ficar sem paciência para isto]
- Vens de onde?
- Neste momento estou em trânsito, vim de Portugal.
[Mau… vem daí coisa]
- Epá, Portugal. As pessoas de Portugal têm bom coração!
- Têm sim.
[Como se tu soubesses onde fica Portugal]
- Tu também tens cara de ter bom coração…
[pronto, ele vai pedir-me dinheiro]
- …e por isso vou pedir-te que faças uma doação, qualquer quantia, qualquer moeda, para este centro de crianças orfãs. Eu sou representante das instituições de apoio e como vês estou identificado…
[…com um crachá ilegível, mas estás…]
- …e eu passo-te uma declaração para ser dedutível nos impostos.
[Estou mesmo a ver o departamento fiscal do Qatar, que é onde eu vivo, a aceitar esse papelito verde que me estás a dar para a mão…]
- Eu só tenho uma moeda de dois euros e…
[interrompendo-me]
- …dá-me antes vinte!



[ainda incrédulo]
- Ouve, vou dar-te estes dois euros e tu fazes o que quiseres com eles, contando que me encontres o gajo que me vinha buscar de limousine, OK?
- É que vou já buscá-lo! Toma, eu escrevi aqui que me tinhas dado 35 dólares. Por teres um bom coração.
[Faz todo o sentido, do ponto de vista fiscal. E do ponto de vista da caridade, também]

Não fiquei para ver se ele, de facto, tinha descoberto alguém que soubesse o meu nome. Até porque tenho a certeza que ele nem sequer voltou. Cinco segundos depois de eu ter começado a caminhar em direcção ao táxi ouviu-se um anúncio nos altifalantes: «o aeroporto de Los Angeles não apoia nem incentiva qualquer peditório feito por cidadãos. Não se sinta obrigado a contribuir». Obrigado. Obrigado por me dizerem que eu não sou obrigado.

Adiante. Não interessa. Estou hospedado em Beverly Hills e a entrada da Doheny Drive, com as palmeiras iguais às que se vêem nos filmes, é suficiente para me fazer sentir que seria capaz de viver num sítio assim. Se fosse rico. Ou charlatão. Consta que quem vive nas bonitas casas de Beverly Hills e West Hollywood não tem dinheiro para as pagar, mas os processos de fraudes e créditos por pagar são simplesmente demasiados. E demasiado morosos, também. E nada lucrativos, porque a especulação imobiliária dos últimos anos fez o preço das propriedades subir de tal maneira que agora não interessa a nenhuma instituição penhorar residências que depois ninguém vai conseguir comprar ao preço pedido. Mas é lindo. Diria quase perfeito. Longas e largas avenidas, algumas zonas perfeitas para passear a pé. Esqueçam o passeio das estrelas – elas nem sequer andam por ali. É mais fácil vê-las a correr de iPod nos ouvidos em Santa Monica ou em Malibu, ou então a jantar em Sunset Strip. Se alguém pensa vir a Los Angeles atrás das estrelas de cinema, está a cair num logro dos grandes. Elas raramente se mostram e raramente frequentam os mesmos sítios por hábito. Variam os locais e os horários, para fintarem os paparazzi. O único sítio onde é quase certo encontrá-las é em Rodeo Drive, onde estão as lojas mais caras da Califórnia. E mesmo aí, é bom que seja numa das lojas que não tem entrada pela porta dos fundos ou que não seja uma das que fecha as portas cada vez que aparece a Julia Roberts. De resto, é quase impossível. É tudo tão grande e tão extenso que é mais fácil encontrar uma amostra de sangue não-contaminada num pelotão de ciclistas. É incrível, nunca vi nada assim. Dentro da Greater Los Angeles há a cidade de Los Angeles, a cidade de Beverly Hills, a cidade de West Hollywood, Malibu, Palm Beach, Brentwood, South Beach, Long Beach, Century City, Santa Monica, Harbour City… uf…

A mais bonita é, indiscutivelmente, a de Santa Monica. Para lá chegar é preciso fazer a Santa Monica Boulevard que a Sheryl Crown canta na famosa canção. E já agora, é bom que não sigamos o conselho dela para a pecorrer «until the sun comes up over Santa Monica Boulevard», porque é mais bonito fazê-la de dia. Ainda que se comece numa ponta [em Sunset Boulevard, o sítio das prostitutas e dos travestis], às três da tarde, e se termine na outra, 15 km mais tarde e já de noite [o sol, por estas bandas, põe-se depressa. Demora uns três minutos. Vá, talvez quatro]. O trânsito é infernal, como seria de se esperar na segunda maior cidade da América, mas incrivelmente organizado e civilizado. Os franceses, amantes incondicionais de rotundas, devem ter um ataque apoplético cada vez que têm que fazer um cruzamento entre avenidas da Cidade dos Anjos. Está instituído que os carros de ambos os sentidos avançam na direcção uns dos outros e, no eixo da via, cada um vai para seu lado, evitando-se mutuamente e evitando o trânsito que avança nas restantes faixas. Sem colisões. Perfeito. E mesmo que um semáforo esteja vermelho para quem quer seguir em frente, quem quer virar à direita não tem que o respeitar, contando que não esteja nenhum outro carro a cruzar a avenida.

But enough of this traffic crap. Vamos ao que interessa: gajas. Como são as gajas de Los Angeles? Não faço ideia. Passei o tempo enfiado dentro de carros ou em aborrecidos encontros formais com pessoas de gabinetes de senadores, oficiais de justiça, advogados, juristas, jornalistas, representantes do turismo, fabricantes de tequilha, seguranças e adidos culturais. [se calhar não eram fabricantes de tequilha, mas havia dois gordinhos mexicanos naturalizados que pareciam mesmo saídos de um filme do Cantinflas] As únicas «gajas» que vi eram as respeitáveis secretárias dos administradores, cada qual com idade para serem minhas avós [eu sou novinho, ainda nem fiz 14 anos, em idade saturniana], portanto compreendem se eu subitamente sentir a tentação de não proceder a comentários sobre elas. A não ser para dizer que eram gordas.

Pois se há alguma coisa comum aos americanos da Califórnia, sejam eles coreanos ou mexicanos, é a obesidade. Na verdade, isto é comum aos americanos em geral. Em média, um yankee ingere 3600 calorias por dia. Um número simpático, tendo em conta que um cidadão adulto pode viver nas calmas com 1500 calorias por dia e o normal é não superar as 2100. Por aqui começa a fazer sentido que os americanos tenham carros grandes e vivam em casas gigantescas, porque têm que fazer caber as suas enormes barrigas em qualquer lado. E também faz algum sentido, bem vistas as coisas, que não andem a pé. Para ir a qualquer lado de Los Angeles é preciso ir de carro, porque é tudo longe de tudo. Por exemplo, eu quis ir ver as letrinhas de Hollywood de perto.

- Como é que faço para ir lá acima às colinas ao pé do Hollywood sign?
- Simples, sir. O Four Seasons tem o prazer de o convidar a ir numa das nossas limousines.
[O concierge do hotel é assim uma espécie de Jeff Bridges impecavelmente vestido de sobretudo e gravata e cartola. Mas não é actor. É só o frontman do hotel. Embora eu ache que ele gostava de ser actor]
- Mas eu queria ir a pé.
- Impossível, sir. São umas quatro milhas.
- Como assim, impossível? Eu gosto de andar a pé.
- Mas é muito longe.
- Está bem, mas e então se for apenas perto do Hollywood sign?
- Ainda serão umas três milhas.
- E não dá para ir a pé?
- Talvez. Mas terá que subir a colina a pé.
- Tudo bem, mas vale a pena? A vista é bonita?
- Nem por isso, sir. Inclusivamente nem se vê nada a esta hora da noite [eram cinco da tarde] porque as luzes estão desligadas.

Estou a ficar farto deste lugar. Vou-me embora. Espera-me uma via-sacra em réplica para passar pelo LAX outra vez. Mas desta vez, depois dos oito controles de entrada, três máquinas de raio-x, uma revista em que até me quiseram ver a cor das cuecas [o que foi extraordinário, tendo em conta que eu não uso cuecas] e mais três quilómetros e meio a andar a pé, havia ainda mais um tormento: um alarme na sala de embarque que tocou 43 minutos seguidos sem que alguém se tivesse preocupado em desligá-lo. Finalmente alguém o desligou. Ouviram-se palmas. Sinto-me aliviado por sair de um sítio assim. Mas a verdade é que estava capaz de viver por cá.
o
[breve vídeo de 20 segundos do inferno do alarme no LAX. Para verem que não estou a inventar]


2 comments:

Edmund said...

Pronto. Agora vem o senhor Spam colocar mensagens em caracteres chineses. Não se assustem. Ele é mesmo assim. O senhor Spam tem sempre muito a contar. Tem um bazar chinês e faz um óptimo chop suey de porco.

Edmund said...

Bolas, enganei-me... afinal o senhor Spam emigrou para Taiwan...

Para o improvável caso de alguém querer saber as coisas parvas que por aqui se dizem...

Coisas que se dizem assim por aí...

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