Até 5 de Fevereiro, o inferno está por aí. Nas ruas, nas escolas e, sobretudo, nos corredores dos centro comerciais, onde se eleva consideravelmente o risco de tropeçar num homem-aranha ou numa fada de três anos.
Loulé, Torres Vedras, Rio de Janeiro, Salvador, enfim, todas as localicades onde o Carnaval é tradição estão a preparar-se para o grande acontecimento, com a diferença de que, nas duas primeiras, é uma tradição parva e só dizem que é tradição porque sim. Em Ovar, o Carnaval ameaça ser o mesmo espectáculo de todos os anos, ou seja, gastam-se rios de dinheiro a preparar um evento de rua que resulta em alguns minutos de noticiário ao fim-de-semana e num incontável número de constipações em quem desfila - e em quem assiste.
O desfile do ridículo é tão decadente que terá uma grande noite de reis (vá-se lá saber porquê) no dia 1 de Fevereiro, pela tropa «Axu-Mal», o que, por si só, não augura nada de bom. Antes há uma noite do dominó ao som de Quim Barreiros e depois haverá desfiles para todos os gostos e uma matiné infantil «Charanguinha», a anteceder a «Noite Mágica». Tudo termina com a publicação de resultados, que serão, como tudo em Portugal, isentos e transparentes e deixarão umas boas dezenas de idiotas a lamentar o dinheiro que gastaram nisto tudo.
O triste espectáculo evitar-se-ia, quanto a mim, se fossem recuperadas algumas tradições do passado, essas sim verdadeiras heranças históricas do que seria um excelente motivo para se festejar o Carnaval.
Nos anos 50 chamava-se «Carnaval Sujo». E porquê? Basicamente porque deixava os intervenientes todos cagados de porcaria, assim como todos os que assistiam.
«O 'Carnaval Sujo' teve poucas edições, durante os anos 50, acabando por sucumbir aos seus próprios excessos», pode ler-se no
website oficial do Carnaval de Ovar. Não entendo, devo dizer, o que se quer salientar por 'excessos'. Um bando de homens a atirar porcaria uns aos outros, incluindo cal, carvão ou serradura, parece-me um excelente pretexto para se armar um Carnaval. Nesta altura do ano ou noutra qualquer. A
tomatina de Buñol faz-se em Agosto a fechar umas festas tradicionais e não me parece que alguém se queixe, a não ser as centenas de espanhóis parvos de dão entrada no hospital com feridas de pele e olhos à Belenenses e queimaduras e problemas psíquicos. Podia retomar-se a tradição, em Ovar. De certeza que era mais divertido, as imagens na TV teriam todo um novo
élan e pelo menos a malta tinha motivo para descarregar as suas frustrações uns nos outros.
O mesmo
website diz que
«pela sua singularidade, o 'Carnaval Sujo' ainda hoje é recordado como um importante marco do Carnaval Vareiro», sem que se especifique a parte
«recordado por quem», uma vez que já não existem pessoas suficientes que tenham entrado nestas festividades e, as que existem, são impedidas de recordar os acontecimentos por causa do
alzheimer. Mas as belíssimas fotos de época do
Estúdio Almeida lá estão para documentar o que se fazia naquela época.
Quanto a mim, isto devia voltar. Se assim fosse, passaria a olhar para o Carnaval de uma outra maneira e incentivaria todas as outras regiões do país a adoptarem este tipo de celebrações, com arremessos de ovos, picaretas, capachinhos, cabeças de zés-pereira, bloqueadores de automóveis mal estacionados, cabeças de porco embalsamadas, vendedores porta-a-porta do Clix ADSL, livros da Margarida Rebelo Pinto e, num lampejo de agressividade que fica sempre bem, talvez farinha.
Há quem pague 10 euros para ver o corso carnavalesco. Dinheiro bem empregue era pagar 10 euros para ver parvos a atirar porcaria à cara de outros parvos. Isso sim.